“AS ESTRELAS E NÓS”, UM CONTO DE MARIA JOSÉ QUERIDO PARA AS CRIANÇAS DE IBIÚNA

Veja só que surpresa, falei comigo mesma, dia desses, e sorri com satisfação: Quem diria, heim, dona Zezé? A senhora anda captando ideias que soltas estão disponíveis nos espaços cósmicos, no aguardo do aventureiro irrequieto que as recolha, codifiquei, dê forma e mostre aos seus pares, quer para o prazer, quer para a ciência e, por que não?, para a prazerosa ciência.

De uns anos para cá, ajeitei dois personagens em torno dos quais giram as historinhas que escrevo destinadas às crianças da família: Missoshiro, um espantalhinho e o Esquentadinho, o sol.

Na mais recente das historinhas, ambos conheceram dois irmãozinhos lá da roça, cuja primitiva sabença os reportava até a decifrar mensagens das estrelas e suas constelações.

Como as crianças, no caso, se perderam umas das outras, o Esquentadinho determinou e Missoshiro mais a menina subiram ao firmamento para ordenarem constelações capazes de indicar o caminho de casa para o garotinho.

Entre outras, eles formaram a “constelação da Jararaca”, na qual o menino se fixou e achou o caminho de casa.

Onde então a surpresa e a capitação de ideias citadas?

Fácil. Dia desses, eu, dona Zezé (é assim que me chamo, quando falo comigo mesma) assisti, pelo canal CNU, a uma entrevista com o astrônomo patrício Walmir Thomaz Cardoso, o qual faz pesquisas acerca de sua área científica junto aos índios Tukanos, lá na Amazônia.

Categórico, ele nos revela o conhecimento indígena da leitura e aplicação ao falar das estrelas, identifica constelações e, por elas, estrutura as atividades concernentes às suas necessidades primordiais, como agricultura e pesca. O cientista, juntamente com os índios, está mapeando graficamente o céu desses povos (cf. Céu dos Povos Indígenas Brasileiros, de autoria do referido cientista.

Aqui está minha surpresa: a constelação indicadora do tempo propício para a pesca desses indígenas é conhecida por constelação da Jararaca.

Meus Deus! Como pude eu cá, uma caipira que mal-e-mal aprendeu a ouvir e ler os sinais celestes, e que morando nesta “selva de pedra”, onde a poluição adversa burramente embaça-lhe o sidério, coloca na cabeça dos pequeninos de poucas letras da historieta a capacidade de formar uma constelação e dar-lhe o nome de Jararaca?

Puxa vida, até então jamais ouvira falar de astronomia indígena brasileira, de suas constelações dispostas em áreas assemelhadas às das estabelecidas e acatadas pela ciência mundial.

Em seus estudos acerca da tribo dos Tukanos, pôde Walmir Thomaz Cardoso registrar as consultas que fazem aos astros e às movimentações constelares, e a certeza na sua importância e infabilidade informativa. A título de exemplo, essa tribo observa a constelação da Jararaca para saber quando o tempo lhes é propício para pescar aquele peixinho saboroso de ser degustado em sua refeição.

Constelação da Jararaca pra lá, constelação da Jararaca pra cá…Aí tem coisa que não sei dizer o que é.

 

Maria José Silva Querido é autora do livro “Butantã e suas Veredas” e de histórias e ilustrações infantis.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.