O BEM E O MAL SÃO DUAS FACES DAS CONTRADIÇÕES POLÍTICAS

Um pensamento quase absurdo, considerando o tempo, o cenário, a história e os personagens envolvidos: nós. A primeira parte assegura que não existe castidade entre os políticos, mesmo os jejunos, os iniciantes. Inocência, pureza, honestidade, respeitabilidade, nada disso que faz parte da tradição religiosa, como modelos inspiradores de conduta, nem sempre seguidos, mesmo nessa seara.

Com a invenção da dialética, lá por volta do século V a.C., portanto há dois mil e quatrocentos anos, foi possível compreender que o mundo, longe de ser um mar-de-rosas, é um lugar de contradições, de combates, discussões, dissimulações – repleto de cenários de interesses conflituais em torno do poder, sua conquista e manutenção.

O homem, inteligente e criativo, descobriu que aparentemente em tudo há uma polaridade: dia e noite, bom e mal, alto e baixo, alegre e triste, falso e verdadeiro, honesto e desonesto. Ou seja, os atores sociais carregam dentro de si princípios contraditórios, porque assim acontece em toda a Natureza, sobretudo no capítulo vida e morte, a dualidade mais temida.

Tenho uma amiga terapeuta absolutamente despojada de preconceitos, a maior “vendedora” de otimismo e positividade que conheço. Um dia, estando em sua casa, ela contou-me um episódio que ilustra, ainda que hilariamente, os argumentos precedentes. Eis que ela recebe um homem, vestido e se comportando como tal, até mesmo casado e tendo filhos. Como minha amiga tem o dom de deixar as pessoas se expressarem com toda a liberdade, o homem estava falador, foi ganhando cada vez mais confiança…até que, de repente, se levanta e se despoja de toda roupa, deixando ver que, por baixo de tudo, usava um maiô colante azul. Ao fazer isso parecia ter se redimido de uma prisão e, como diz o povo, soltado a franga com toda a exuberância de seus desejos ocultos. Freud explica. Freud explica?

O leitor atento poderá perceber nesse exemplo risível a duplicidade de caráter do nosso protagonista. Atrás do homem na aparência formal, florescia uma nova personagem descontraída, alegre e aparentemente feliz por se revelar.

Voltemos ao nosso tema principal: estamos falando de um jeito diferente de política e dos políticos. A lei da dialética, como princípio, nos mostra que não existem seres inteiramente puros, como os santos, mas que todos estão divididos e muitas vezes perdidos quanto ao papel que desempenham na vida social e profissional. Ninguém pode ser totalmente anjo, e agir com integral pureza, ética e moral, porque contém em si essa contradição básica que rege o mundo. Em Maquiavel, o ministro representava o mal, o cara que faz as coisas que precisam ser escondidas dos súditos, sendo o príncipe a própria manifestação do bem e da virtude. O famoso escritor italiano equacionou a questão da duplicidade interior distinguindo dois personagens.

E aqui, entre nós, em nossa cidade? Se o prefeito vem sendo cantado na prosa jornalística como pessoa impoluta, um guerreiro ético contra o “dragão da maldade”, como diria o cineasta Glauber Rocha, e aparentemente é essa a imagem pública mais forte do nosso alcaide, quem estará desempenhando o outro lado da polaridade, de forma paralela, extraoficial e discreta? Por que uma coisa é certa: esse (ou esses) personagem existe ou está sendo criado, ou melhor, se criando de forma lenta, mas efetiva. Há até mesmo a possibilidade de estar se cristalizando uma aura protetora em torno da pureza e da honestidade do protagonista do novo governante, enquanto em seu entorno, o trabalho que não pode aparecer à luz solar se desenrola.

Lembrando o nosso caricato homem revelando seu duplo papel, o maior esforço desses atores políticos é manterem-se em estado de prontidão, sempre alertas, para não deixar ver a roupagem oculta que estão vestindo. Séria um vexame, o momento da revelação, da contradição, como um abalo sísmico que desmorona com mais facilidade estruturas frágeis e imaturas. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.