ENSAIO – POR QUE [ÀS VEZES?] NOS SENTIMOS ESTRANHOS

estranho

Um dos mais complexos e antigos problemas dos seres humanos, pode-se dizer para a maioria deles, é o fato constatado em estudos por uma plêiade de psicólogos desde o princípio do século XX, talvez um pouco antes é: eles não são eles mesmos, mas o resultado de influências que os impedem de ser autônomos e confiarem em si mesmos. Se sentem como se estivessem divididos em duas partes. Em suma, não amadurecem e se impedem de serem livres.

Existe uma expressão latina [causa sui], que significa de modo simplificado “ser a causa de si”, que gira em torno de pensadores que lidam com as diversas formas de alienação [entregar-se a um outro que simboliza alguma forma de poder protetor e dele tornar-se dependente]. Esse fenômeno está ou pode estar na maioria das relações humanas e começa a se formar em nossa infância, sobretudo no teatro do ambiente familiar.

No plano da psicologia coletiva, as razões que impedem o processo de individualização [o indivíduo não dividido, mas unificado em sua personalidade] tem origens profundas. Diversos autores encontram suas raízes no fato de sermos metade animais e metade seres simbólicos, isto é, sermos capazes de ser conscientes de nossa situação no mundo, com um destino do qual ninguém escapa: a morte. E, antes dela, a natural degradação provocada pelo cinzel do tempo.

A partir desse destino inexorável que uma criança logo percebe e os adultos tudo procuram fazer para negá-la, buscando compensações ilusórias em diversas formas de poder [dinheiro, propriedades, status, prestígio, etc.] inúteis, no final das contas. Se imagina que as pessoas procuram se afastar da lembrança de sua condição finita, inventando todo tipo de arranjo para iludir-se. A maioria embarca nessa amplíssima canoa e se aferra a tudo que a impeça de ver a realidade nua e crua.

A capitulação se dá em grandes proporções e muitos são por isso mesmo chamados de filisteus. São aqueles que se mostram incultos e cujos interesses são estritamente materiais, vulgares, convencionais, desprovidos de inteligência e de imaginação artística e intelectual.

Embora estejam numa prisão que não enxergam devido a uma hipnose social, jamais pretendem sair dela, pois experimentam uma sensação de [falsa] segurança. Imagine-se um pássaro que tenha permanecido preso em uma gaiola por muitos anos e, de repente, alguém deixa a portinhola aberta. Vai demorar para que saia e é provável que volte porque perdeu as habilidades animais para sobreviver em matas onde as “regras” são selvagens.

Chama-se renascimento [nascer de novo, deixar para trás as influências do passado] à possibilidade que as pessoas – e serão afortunadas por isso – que transformam a angústia da existência numa experiência de libertação, ao encontrar seu núcleo mais autêntico, seu verdadeiro ser antes de ser contaminado pela sociedade vigente, que funciona como repressora desde nossa mais tenra idade.

A boa notícia é que muitas luzes foram lançadas sobre esse que é considerado um dos mais cruéis sofrimentos humanos: não ser si mesmo e ter que depender de outro para “garantir” sua existência. Já viram a história do preso que acaba de sair da prisão e faz de tudo para voltar a ser preso? É que na prisão não precisa ser responsável por si, basta esperar que as coisas aconteçam, que lhe deixem dormir, lhe sirvam alimentos, para se sentir seguro. É paradoxal, mas é assim mesmo.

Novas descobertas no campo da psicologia e da neurociência estão sendo transformadas em inserções de novas formas de pensar [cognição] como meio para que, mesmo aos poucos, as pessoas passem, em vez de se comportar como dependentes psíquicos dos outros ou de qualquer tipo de droga, em seres responsáveis pelo que pensam, sentem e pelos seus atos. Enfim, descobriu-se que isso é possível por meio de práticas, que incluem exercícios, artes, novas aprendizagens, fé e experiências de despertamento do sono e de sonhos ilusórios. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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