POR QUE OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS SÃO CAUTELOSOS OU FALAM EM SURDINA?

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Intrigado há anos com o comportamento relacional dos funcionários públicos – por serem muito calados, sucintos ou falarem em surdina – acredito ter encontrado uma explicação. Há nos ambientes de trabalho desses profissionais aparentemente um clima de desconfiança mútua, de insegurança e sensação de perigo nas salas e em corredores, daí esse jeitão de se tornarem quase invisíveis e insonoros, de terem que abafar a própria voz.

Psicologicamente, esse tipo de conduta é chamado “mecanismo de defesa”. Se há riscos, ameaças veladas e toda sorte de “perigos”, então as pessoas, automaticamente, antes de saírem de suas casas a caminho do trabalho vestem as máscaras com as quais procuraram se defender. Nenhuma cautela é dispensável.

Isso inclui frases feitas, sorrisos esboçados, uma coleção de adjetivos, entre os quais se inclui “querido(a)”, elogios e palavras e gestos de simpatia e bom-humor, pois demonstrações de tristeza podem chamar a atenção de que algo não está “certo” com a pessoa.

As roupas que se vestem também são mensageiras tanto de status profissional quanto uma forma de respeitosa elegância que também exibe um desejo de aprovação visual que é produzida sem que se diga nenhuma palavra, mas que influencia na avaliação do que somos vistos pelos outros.

Mas, independentemente desse aspecto, aquilo que se fala e como se fala precisa ser medido preventivamente em suas possíveis consequências. Num ambiente potencialmente punitivo, os olhares parecem voltar a um estágio primitivo em que os homens dependiam de enxergar atentamente o entorno em que viviam porque havia perigos em toda parte.

O objetivo de sobreviver no meio de fatos às vezes turbulentos e incertos torna imperativo “dançar conforme a dança”, para usar um frase já bastante desgastada, mas uma metáfora que não perde seu importante papel na arte da autoproteção.

Enfim, parece ser evidente, nem tanto para os ingênuos, incapazes de pensar de forma maldosa, que até mesmo as paredes têm ouvidos e essa perspectiva pode levar uma pessoa a estados neuróticos, que também procura esconder para não se sujeitar a uma outra forma de estigma e julgamento em geral injustos.

Viver dessa jeito não deixa de ser uma forma, talvez branda, de sociopatia, porque as pessoas perdem a espontaneidade, forçam sua naturalidade, desconfiam dos outros e, não raro, de si mesmas. O resultado é a manutenção crônica de comportamentos de estarem vivendo numa prisão com grades invisíveis. (Carlos Rossini)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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