NATAL E FIM DE ANO LEVAM A EMOÇÃO À FLOR DA PELE

A condição humana, para os seres mais sensíveis e delicados da espécie, nessa época de festas de fim de ano, inspira compaixão. A vida real, sem adereços coloridos e disfarces, põe-nos em xeque emocional e nos deixa com os sentimentos à flor da pele.

Se o espírito natalino nos mobiliza para uma confraternização adornada com presentes, a virada do ano nos leva a sonhar com a esperança de tempos diferentes e melhores.

São dois momentos recheados de alegria, beijos, abraços, comes e bebes compartilhados com a família e amigos, especialmente crianças, personagens que nos brindam com sua singela jovialidade.

Mas há um lado B nessas festividades que nos remete para um vazio impreenchível por aqueles que já não fazem parte mais da mesa que compartilhamos. Avós, pais, filhos que se foram e deixaram sua marca na forma mais aguda e dolorida de saudade.

Na virada do ano 2000, encontrava-me numa praia do Guarujá com a família, no meio de uma multidão esperando o primeiro minuto do ano 2001.

– “Feliz Ano-Novo!”

O espocar de fogos no céu e os estouros de champanhe lançando espumas sobre a areia fina se fundiam aos gritos, aplausos, abraços e beijos, numa condensação humana fraterna e amorosa.

Numa percepção relâmpago, já que raramente estamos no comando dos nossos pensamentos, compreendi que a maioria absoluta das pessoas que ali estavam, eu incluso, não chegariam na virada do próximo século.

A arte é longa, mas a vida é breve, como se lê num dos monumentos que se encontram nos jardins do campus da Universidade de São Paulo.

É isso mesmo!

A vida e a morte formam um par de opostos que se complementam, como yin e yang, dia e noite e essa regra é uma lei absoluta. Ninguém dela escapa, reis e plebeus, burgueses e trabalhadores, ricos e pobres. Nesse aspecto, a Natureza nos torna todos comuns, sem exceção. Trata-se apenas de uma questão de temporalidade.

Camile Claudel, artista francesa, refletiu em sua obra o sentimento de dor, humildade e desespero, que sintetizou numa frase: “Há sempre algo de ausente que me atormenta.” É o sentimento de vazio, a falta que nos faz alguém ou algo.

Aqueles que se foram, nos deixam a dor de sua ausência, talvez com maior intensidade nos natais e nas viradas de ano, em que nossas mentes ficam carregadas de cintilantes estrelas a refletir sentimentos de amor.

Bebidas nos desinibem para que ultrapassemos barreiras cotidianas e nos aproximemos uns dos outros pela alegre embriaguez temporária que nos libera para sermos mais íntimos uns dos outros. É nosso desejo oculto de sermos felizes juntos, mesmo por breve instante, que se manifesta nessa época.

Aquele ou aquela que estava aqui, junto de nós, não está mais. Não pode ser vista, tocada, beijada, ouvida, amada. A dor é oceano-cósmica, e não cessa enquanto estivermos vivos e conscientes.

A ausência é a fonte inesgotável da saudade e nada podemos fazer. Afortunados são aqueles, sobreviventes, que encontram consolo em uma crença na existência de mundo além da matéria e na possibilidade de um reencontro metafísico num celeste.

Pascal sugere uma aposta. Acredite que há outra vida, um paraíso em outra dimensão, onde rios de mel e o perfume das flores nos acolhem com as delícias do que alguns intitulam de “mundo verdadeiro”, por oposição a este, que seria “mundo da ilusão”. Se ele existir, lembra Pascal, você ficará numa boa; se não, nada terá a perder.

Houve um tempo, na arte e na literatura, em que os homens fizeram apostas na vida como ela é, sem disfarces ou ideias românticas recheadas de sentimentalismos. Deram a isso o nome de realismo. Publicaram-se livros e pinturas em nome dessa visão do mundo.

Mas, a realidade é impiedosa para aqueles que, como nós, humanos, são dotados de sentimento, afeição, amor, carinho, dedicação.

Temos, afinal, um coração que dança várias músicas quando tocado por uma certa emoção que nos torna seres sublimes como os anjos. (Carlos Rossini)

 

 

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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