A VAIDADE É UM MODO DE SER NO CENÁRIO DAS ILUSÕES HUMANAS

Já havia escrito este breve ensaio quando me lembrei da Bíblia, mais especificamente do livro Eclesiastes onde se lê: “Ilusão, pura ilusão! Tudo é ilusão!” Isto é: nós nos enganamos em relação à realidade, seja pela interpretação dos sentidos ou da mente. Todos estamos sujeitos à essa condição!

Então, por que escrevi um texto pré-intencionado contra a vaidade humana? Terá sido pela crença religiosa milenar contra essa postura diante da vida? Então, me situei numa posição intermediária – de um lado a suposta influência religiosa e, de outro, o imperativo de admitir que cada pessoa tem o direito de existir da maneira que lhe pareça melhor. [a partir deste ponto, sigo com o que já havia escrito e compartilho com você.]

Naturalmente, cada pessoa tem direito de viver como deseja e deve ser respeitada pelo que é. É indevida qualquer intromissão, a menos que se trate de evitar que, em um momento desesperador, tenhamos que socorrer alguém que ameace dar cabo à própria vida.

É oportuno lembrar que cada pessoa é um ser único, com características físicas, psíquicas e comportamentais peculiares a si mesma. Exemplo: ser vaidoso/a. Se isso não afeta ninguém, por que não ser?

No entanto, a sociedade valoriza negativamente as pessoas vaidosas exatamente por distinguir-se por essa qualidade e distanciar-se do que se pode chamar de comportamento comum e rotulado dentro de enquadramentos habituais, consolidados ao longo do tempo na sociedade humana.

A vaidade é considerada aquilo que é vão; que não possui conteúdo e se baseia numa aparência falsa, mentirosa. Ideia exageradamente positiva que alguém faz de si próprio; presunção, fatuidade, gabo. Na sua origem latina a palavra significa vácuo, vazio.

O oposto da vaidade é a naturalidade, as pessoas como são sem artifícios para mostrarem-se diferentes do que são. Uma pessoa que age de maneira natural reflete para os outros desafetação, discrição, humildade, modéstia, naturalidade, simplicidade, singeleza, despretensão, recato. Observe onde você vive, estuda, trabalha ou em seus relacionamentos com os outros como essas pessoas acabam sendo acolhidas com simpatia.

O dicionário revela uma série de termos que torna o vaidoso um personagem antipático: pretensão, soberba, ostentação, garganta, afetação, esnobismo, inflação, narcisismo, pedantismo, orgulho, sobranceria, vanglória, jactância, veleidade, ufania, enfatuação, pompa, empáfia, fatuidade, vacuidade. Por tudo isso, o vaidoso é visto de modo reprovativo, mas quem disse que isso deve servir para cercear seu jeito de ser? Talvez tudo se esclareça se a pessoa tiver consciência de que é vaidosa e ponto.

O filósofo brasileiro Leandro Karnal tem uma frase sobre esse assunto: “O vaidoso não desenvolve seu potencial porque acha que já é suficiente estar acima da média.” Uma pensamento que traduz uma forma de preconceito, mesmo vinda de um intelectual cujas palestras e vídeos são concorridos.

Uma flor é bela, pelo que é, e, ao que se saiba, não precisa sentir-se como Narciso, apaixonado pela sua própria imagem refletida no espelho. Somente o ser humano está sujeito à necessidade de se sentir mais, na beleza, nas roupas, nos bens materiais que possui e possa ostentar, no exercício de poder sobre os outros e assim por diante.

Mas a reflexão que faço me permite vislumbrar que a vaidade possa ser uma forma de chamar atenção para si, ser percebido, reconhecido, enaltecido, triunfar, ser diferente, escapar do anonimato, ser alguém no mundo, ter a sensação de imortalidade. Trata-se de uma fantasia, como aquelas com as quais as pessoas se vestem para participar de concursos ou de desfiles públicos nos carnavais.

Daí ressurge o veredicto do Eclesiastes de que tudo, nesta vida terrena, é ilusão e passageiro, mas que mantemos como necessidade para nos proteger da dura e fria realidade.

Há muitos anos, na casa de um empresário que servia um churrasco para amigos e parentes, ouvi de um deles, proprietário de uma Mercedes, lamentar-se pois sentia que todos os prazeres iriam se findar com a perda da juventude, a chegada da velhice e, enfim, a morte.

Como era muito jovem não entendi o significado do lamento feito aos convivas, pois somente com a experiência da vida se pode compreender a realidade que vive oculta a maior parte do tempo dos nossos olhos e da nossa mente. É uma forma de ilusão, talvez necessária, para manter-nos a salvo da loucura de encarar as verdades que tanto nos assombram quanto mais delas nos aproximamos. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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