PAPO CABEÇA – NINGUÉM VIVE ANTES DE LIBERTAR SEU PRÓPRIO EU
Nenhum corpo humano e nenhum eu são perfeitos. Tanto um quanto o outro não nascem prontos, mas se desenvolvem com o transcorrer do tempo. Vão sendo construídos gradativamente por meio de influências exteriores e de transformações físicas e mentais contínuas.
Assim, passamos por um processo de montagem do eu, constituído por um corpo, uma mente e um espírito, uma substância imaterial e invisível que faz parte de nossa essência mais profunda, nosso verdadeiro ser.
Nós reagimos a estímulos que nos chegam de fora: dos nossos pais e outros familiares, logo que nascemos, de vizinhos, colegas, amigos, professores, no ambiente de trabalho, etc. Isto é: somos seres sensíveis e captamos as informações [tudo aquilo que percebemos] por meio de nossos sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar.
Estamos, então, todos destinados a nos tornar um EU, que corresponde a um conjunto de características únicas de cada indivíduo – físicas, mentais e espirituais. Nossos nomes, Carlos, Maria, Isabela, João, Teresa, Solange, Beatriz, Célia, Leonardo, Patrícia, Glauco, Antônio são partículas de nossa identidade social.
Digamos que, quando uma pessoa é bem resolvida, isto é, “bem montada” em sua personalidade total, é agraciada com um EU livre, autônomo, saudável. O eu que não se torna ele próprio fica sujeito a sofrimentos ou desespero, como ensinou o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), no livro O Desespero Humano. O EU só se integra sendo livre.
A estrada que conduz à libertação atende pelo nome de consciência, que possibilita uma percepção clara do mundo e de si próprio, conquistando sua autodeterminação.
Então, na medida em que vive entre dois extremos – de um lado, sua inconsciência total, e, de outro, a sua completa consciência –, embora esta dificilmente seja alcançada de modo absoluto, quando o homem não se volta mais para dentro de si, sendo escravo de sua imaginação, tem a perda do seu EU, considerado “o pior dos castigos que pode passar despercebido pela maioria das pessoas”.
Na condição de teólogo, Kierkgaard, considerado o primeiro filósofo existencialista, de grande influência no Ocidente, argumenta que “a única forma de não perder o ‘eu’, deixando de existir, é livrar-se do desespero e reconciliar-se com a fonte desse ‘eu’, que é Deus”, por meio da fé.
Voltar-se para dentro de si, sem medo do desconhecido e do inconsciente [tudo que não percebemos em nós], é uma das formas mais universalmente aceitas para uma decisiva e necessária reconciliação consigo mesmo, superação do desespero e a libertação das ilusões às quais estamos sujeitos. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)