PÓS-CARNAVAL NA VILA MADALENA – MUITO ALÉM DA NUDEZ

Neste sábado (9) estive na Vila Madalena, em São Paulo, bairro símbolo da boemia paulista. Meu propósito era almoçar com minha mulher e dois queridos netos no restaurante natural localizado em frente à Livraria da Vila, na rua Fradique Coutinho.

Mas não foi possível chegar nem ao restaurante nem à livraria, que tem um café delicioso, embaixo de um pé de jabuticaba. Vários quarteirões estavam interditados para mais uma folia de pós-Carnaval.

Almoçamos na Vila Grano, na rua Wisard, uma padaria de quarta geração, com produtos da melhor qualidade e uma variedade de pães e doces finos que faz você adiar qualquer ideia de fazer regime.

Pelas ruas, vi surgirem mulheres e homens, de todas as direções, para celebrarem coletivamente o pós-Carnaval na Vila.

Vi mulheres com belíssimos adornos de rosto, lindas, algumas apenas vestidas com maiô e roupas sumárias, todas aparentemente com o desejo de se divertir, encontrar um par, iniciar um romance, realizar sonhos, pessoas supostamente abertas a novas experiências, como é próprio da vida real.

O clima da Vila Madalena recendia alegria, liberdade, felicidade, sob o calor do verão!

Percebi um clima muito além da nudez. Um desejo de liberdade, de transcendência, de ruptura com tudo que é (vergonhosamente) estabelecido por padrões morais tão carcomidos quanto hipócritas pela chamada sociedade formal, em que se incluem autoridades incompetentes para reger e dar ordens de conduta típicas de uma ideologia cínica.

Pela minha formação tradicional, deveria judiciar sobre aquelas pessoas que ultrapassam padrões convencionais de achar normal somente relações sexuais entre homens e mulheres.

Meus netos riram de minha “velhice” ultrapassada em relação aos novos costumes, de as pessoas se amarem independentemente de suas constituições biológicas baseadas em gênero.

Percebi que tinha diante de mim homens ou mulheres, sobretudo jovens, que desejam usufruir o direito que têm sobre como viver com liberdade, acima de padrões vitorianos.  

Como não há garantia de nada, perceberam que a vida é uma só, sem direito a repeteco e que o aqui e agora é o que interessa, o resto faz parte de um mundo obsoleto, que se mostra injusto, iníquo e contrário às leis da evolução.

Vi seres humanos a caminho de um novo despertar coletivo, capaz de, com o tempo, reduzir a cinzas um modelo injusto e opressivo imposto por antigas formas de exercer o poder, a opressão e o controle sobe as vidas humanas

Definitivamente, o corpo humano que historicamente foi propriedade do estado e da sociedade dominante, em que até mesmo o direito de decidir sobre o próprio destino era interditado, está abrangido pela dramática questão existencial proposta pelo dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare (1564-1612), que personificou no personagem Hamlet a célebre indagação: “Ser ou não ser, eis a questão”.

Sim, a nudez faz parte de uma etapa cultural em andamento na sociedadede e traduz um profundo desejo de ser livre de controle de uma sociedade estigmatizada por modelos jurídicos, religiosos e morais ultrapassados. E esse é um fenômeno mundial.

No entanto, pessoas perversas se aproveitem desses momentos, mas é inegável a força magnética dessa juventude que, se não viveu os horrores das duas guerras mundiais, começou a aprender que viver a própria vida como quer é essencial.

Coincidentemente, mas não menos importante, tinha comigo, a mais recente edição da revista Filosofia,  editora Mythos, estampando a manchete: “O que é liberdade – A necessidade e as contradições de ser livre em nossa sociedade.”

BEM X MAL

Mas, não posso prosseguir, sem advertir os leitores de uma guerra antiquíssima entre o bem e o mal fez parte desse evento. Se foi compartilhado por pessoas que buscaram se divertir coletivamente, teve também o lado B, na forma de brigas, confusão com a polícia, gente entrando em quintais alheios para atender a necessidades fisiológicas, moradores irritados com as autoridades e os agentes da prefeitura querendo cumprir sua função de mostrar serviço.

Segundo estimativas, quinze mil pessoas participaram da folia do pós-Carnaval na Vila Madalena e sobrou muito lixo espalhado pelas ruas. Isso significa que ainda falta atingir uma evolução necessária para afastar a força de uma minoria de pervertidos que ainda se encontram em um estágio mental e cultural próprio da barbárie e da selvageria.  

Mas, que fique patente, a maioria das pessoas foi ali para se divertir e celebrar a alegria e que somente uma minoria de arruaceiros protagonizou atos antissociais. A roda da vida continuará girando e tomara que nos leve para o bem e nos livre, tanto quanto possível, do mal, amém! (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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