NO FRIO DE IBIÚNA – O SOFRIMENTO DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO VULNERÁVEL É PUNGENTE

Vitrine online foi às ruas de Ibiúna no anoitecer deste domingo (4) para verificar in loco as pessoas que vivem em situação vulnerável e constatou o óbvio: para elas estes dias gelados as atinge de forma mais impiedosa.

Debaixo do quiosque desativado que existe em uma pequena praça, ao lado da Rodoviária, havia um homem dormindo no piso frio ao lado do seu cachorro. Outros, incluindo uma mulher grávida, estavam de pé. Estes informaram que iam dormir próximos a umas pedras e dispararam a falar com o repórter sobre suas vidas e necessidades.

Três eram de Piedade, a mulher e outros dois de Ibiúna. Havia outros, cerca de vinte e cinco, incluindo duas mulheres, uma das quais também grávida, foram jantar no albergue Casa Maria de Nazaré, situada na rua Minas Gerais, 160, uma rua paralela à avenida Maria de La Farina Milani, que liga a cidade à rodovia Bunjiro Nakao, a caminho de Piedade.

Não conseguimos precisar o número exato de pessoas que se encontram na condição de moradores de rua, como na praça ao lado da Rodoviária. Mas há aqueles que moram em porões, em casa que não tem fogão, em garagens, em fuscas e peruas velhas, mas há os que tem casas, mas preferem viver nas ruas.

Lamentavelmente, têm em comum uma condição terrível: a dependência de drogas, principalmente bebidas alcoólicas e preferem viver na liberdade das ruas (“outra real”) do que se submeter a uma clínica, a um albergue onde possam tomar banho, se alimentar e dormir, mas onde não é permitido o consumo de drogas.

Em julho, quando se registrou a temperatura mais baixa do ano, eles foram acolhidos no Centro Olímpico onde permaneceram dois dias e depois tiveram que deixar o local onde seriam realizados eventos.

O albergue Casa Maria de Nazaré existe há 14 anos é uma organização filantrópica com trabalho exclusivamente voluntário de acolhimento a pessoas em situação vulnerável. Abre diariamente por volta das 16h30. Ali as pessoas podem tomar banho e jantar. Dona Maria do Carmo, uma das senhoras voluntárias na cozinha, disse que já chegaram a servir jantar para quarenta pessoas.

A instituição deixou de atender o pernoite recentemente por causa de uma das principais regras não ser seguida: o não uso de drogas. Houve alguns conflitos entre os próprios frequentadores e o salão que servia de dormitório foi desativado.

A presidente da instituição, Eliana Barca, disse à vitrine online que a assistência social da Prefeitura fez um cadastro dessas pessoas em situação vulnerável, assim como providenciou agasalhos, além de procurar encaminhar os dependentes a clínicas a fim de se tratarem, mas que o problema é mais complexo do que se supõe. As pessoas não podem ser forçadas e, ao mesmo tempo, precisam ser respeitadas em seu modo de ser.

ACOLHIMENTO E BOA COMIDA

Neste domingo, perto das 17 horas, exatamente quando conversávamos com as pessoas ao lado do quiosque, próximo da Rodoviária, chegou um furgão do Hotel Fazenda Parati, logo reconhecido. As duas funcionárias, Alice e Suzi, distribuíram caixas com esfihas, batata frita e bolo cortado em pedaços, logo compartilhado pelos desabrigados.

Outras organizações e pessoas também oferecem ajuda, a maior parte dos alimentos utilizados na cozinha do albergue é doada, incluindo a Igreja Católica da cidade. Maria do Carmo, lembrou um versinho religioso: “Eu estive com fome e deram-me o que comer.”

O jantar neste domingo, servido com notável carinho e respeito, incluiu frango com batatas, farofa, bife, arroz, maionese, salada e suco preparados com esmero. Quem quis repetir pôde fazê-lo. Houve quem pediu e foi atendido de levar marmita.

Antes, houve oração diante de um altar com a imagem de Nossa Senhora Aparecida com a participação de todos.

SOCIEDADE DOENTE

Próximo ao quiosque, o repórter foi surpreendido pela intensa ansiedade das pessoas em falar dos seus problemas. Um homem de Piedade queria que fotografasse seus dentes para demonstrar que não consegue tratamento na cidade. A. M. G., com a qual conversamos ao lado do quiosque, mostrava uma ansiedade de se expressar, de expor suas queixas, de pedir ajuda para ter uma vida melhor. Ele tem casa. “Se a prefeitura pagasse dois centavos uma latinha, eu vivia catando lixo nas ruas”, afirmou intensamente.

Nossa conversa se deu em meio a um frio intenso com vento gelado.

Fez questão de mostrar a “cozinha” (veja foto) que utiliza ao lado de uma mureta no jardim ao lado da Rodoviária para esquentar alimentos. Nas proximidades, havia dezenas de garrafas de bebidas alcoólicas. “Quando chove, nós vamos dormir dentro da garagem que fica embaixo do posto construído para base da GCM em frente à Rodoviária. É quando nos deixam ficar lá.” Caso não chova, dormem sobre papelão e cobertor embaixo de algumas árvores ali existentes.

Quando o repórter de vitrine online retornou à Redação, esteve a ponto de desistir de escrever esta notícia, tamanha a complexidade implicada. Mas, venceu o senso do dever do jornalista de informar a sociedade.

Este caso reflete uma doença social de maior relevo. Tanto as autoridades quanto a sociedade não podem ignorar esse fato e precisam reunir todos os esforços para encontrar uma solução, desde que enfrentado e compartilhado como responsabilidade comum. Embora vivam uma situação de dependência cruel são cidadãos cujos argumentos, em síntese, poderiam ser interpretados como um grito pungente de SOCORRO! Um compromisso de amor efetivo ao próximo pode ser o primeiro passo.

Em seu monumental romance Por quem os sinos dobram, o escritor norte-americano Ernest Hemingway explica que toda vez que um homem morre, morre um pouco de cada um de nós. O mesmo pode ser dito, de outra maneira, quando uma pessoa sofre, também sofremos com a dor dos outros. Quando isso não acontece, perdemos um pouco de nossa humanidade. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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