O CAMELO E O LEÃO

Era uma vez um Camelo, dócil e obediente. Fazia tudo que lhe mandavam, sem jamais questionar. Mas, no fundo, sentia-se  infeliz e um constante mal estar.

Havia dentro de si inquietação e desassossego, como se não estivesse vivendo a própria vida.

O tempo foi passando, a idade vindo, sem entender por que sua existência deveria ser desse jeito. Havia no seu interior uma pequena luz e uma canção tímida, como se fosse um sinal de que deveria aprender a dançar.

Por que os outros animais o tratavam de um jeito pelo qual devia apenas obedecer. Os outros eram bons e ele mau? Mas seguia adiante, sem rumo, perdido na selva.

Mas ele tinha sentimentos, entre os quais se incluíam o amor, o respeito, o desejo de agradar, pois acreditava que, assim, seria sempre aceito na sociedade dos animais.

Havia um conflito entre o que via no mundo e o que achava de si mesmo, mas estava longe de perceber por que se sentia tão solitário na selva comum a todos os outros bichos.

Sentia-se humilhado, desprezado, mas, ainda assim, se movimentava sempre querendo agradar e ser reconhecido.

Um dia ouviu estranhos ruídos nas savanas. Havia caçadores nas proximidades e estampidos, coisa que jamais tinha ouvido antes. Os bichos, por instinto, puseram-se em disparada para se afastar de onde vinha a movimentação de homens. Mas, o Camelo permaneceu onde estava.

De repente, vê, pela primeira vez, a figura de um homem que se aproximou com um estranho objeto nas mãos. Houve uma forte explosão que o assustou como nunca. “Acertei, gritou o homem!”

Um objeto havia penetrado no corpo do Camelo, como se uma bola de fogo o queimasse em uma das corcovas. Ele caiu e sentiu um líquido quente escorrer do seu corpo. Aturdido, entendeu que estava ferido, mas levantou-se e, como pode, fugiu sentindo fortes dores. Por sorte, o projétil não o feriu mortalmente. Com o tempo, curou-se.

Já não se tratava de humilhação e desprezo, mas de sua vida! Como era um animal forte e saudável conseguiu escapar do ataque e procurou um abrigo num lugar que os caçadores não conheciam. E ali permaneceu por longo tempo, pensando em que deveria fazer para assegurar sua sobrevivência diante de tanto perigo.

Ali passou dias e noites até que começou a olhar o Sol, a Lua, as estrelas, os pássaros, sentir o vento, as águas das chuvas. Houve um momento de paz. Foi aí que percebeu que, talvez, devesse mudar seu jeito de ser.

Um dia apareceu perto de seu abrigo um magnífico leão. O leão não o viu como alimento. Se aproximou lentamente do Camelo. Disse-lhe: “Olá, Camelo, o que faz por aqui? Está perdido? O dócil Camelo se mostrou animado. E ambos começaram uma conversa de igual para igual.

O leão percebera que o Camelo tinha uma cara tristonha, sofrida, e perguntou: “Que cara é essa, Camelo?” Sentindo que o leão se mostrava animoso, começou a contar sua história. Com o tempo se estabeleceu um clima de confiança mútua.

Depois de ouvir a biografia do Camelo, sem interromper, o leão resolveu contar sua própria história, que não era feita de ventos sempre favoráveis, porque a lei da selva é impiedosa. O leão declarou: “Amigo Camelo, a vida por aqui é uma dureza. Uns comem os outros impiedosamente. Você não sabia que era assim?” E contou vários episódios de sua vida, a partir do momento em que outro leão mais forte e poderoso o afastara do seu bando, depois de uma luta feroz.

Como entardecia, o leão se despediu amavelmente do Camelo e foi para sua caverna no sopé de um monte rodeado de grandes pedras.

O Camelo ficou novamente só, mas já não era o mesmo, pois se pôs a pensar nos ensinamentos do leão e considerou que vivia uma vida insossa e mediocre à base de capim e água. À noite sonhou com o leão. No alvorecer, deixou seu abrigo e teve vontade de dançar e dançou. Este foi o primeiro ato de sua transformação. Aprendeu a dançar e gostou, pois se sentia bem consigo mesmo, pela primeira vez.

— Eu existo e ninguém mais vai dar ordens para mim. Farei somente aquilo que estiver de acordo com a minha “consciência”. Serei livre, porém não me transformarei num Camelo mau! Serei justo, na medida certa.

A partir de então o Camelo se tornou um Leão. Em vez de apenas andar, passou a correr livre, dançar e cantar à sua maneira.

No sonho do Camelo aparecia um leão mágico que lhe disse: “Seja quem você é”, não o que os outros o modelem como querem. Se antes vivia na base do “dê-me mais peso para carregar”, agora só carregaria o que queria. Foi assim que o Camelo se livrou dos fardos que carregava, como acontece com muitos animais humanos que não os percebem em suas existências repetitivas.

O Camelo, enfim, percebera que vivia de acordo com regras impostas, deixou de pensar como bando. Passou a pensar antes de agir. Enfim, renasceu como um novo Camelo. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

N. da R.: Toda semelhança entre a história do Camelo e a dos homens terá sido mera coincidência. 

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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