CONVERSA DE AMIGAS

– Também, pudera, ele vive com a cabeça enfiada em livros! Pega um lê, pega outro, lê, o tempo todo!

– Não é à toa que parece viver no mundo da lua, não nessa terra!

Cristina estava aflita de ver o marido viver fora do mundo do arroz com feijão, pé no chão, e muito distante da realidade comum.

Estava conversando com a amiga com a qual se encontrou no supermercado.

Alice, já quase chegada aos quarenta, sempre com um sorriso aberto, mesmo quando só ouvia e não falava, não se surpreendeu com a fala de Cristina, pois conhecia Gabriel, um cabeça de vento sempre sonhando com um mundo diferente.

– Ele é um marido amoroso, romântico e eu o amo – continuou Cristina, mas não consegue lidar bem com mundo ordinário, prático, que ele definitivamente considera um absurdo.

– Não são muitos os homens que vivem seu cotidiano dessa forma, a grande maioria, gigantesca mesmo, nem mesmo lê um livro em toda a vida – comentou Alice, que, no fundo, admirava os esforços de Gabriel que detestava a mediocridade e a passividade, maneira de muitos homens se comportarem.

– Sabe, Alice, outro dia, ele chegou à cozinha e fez um breve relato sobre o que chamou de ser dividido. Ele disse:

“Aprendi que as pessoas mentalmente são dois entes, um deles se chama ego e o outro Eu [original]. O ego é um acervo, ou conjunto, das impressões e memórias que entram em nós, por meio dos sentidos, desde que nascemos e nos acompanham vida afora. O Eu habita a camada mais profunda de nossa alma – uma espécie de caverna – é o ser original, como veio ao mundo. E mundo é um conflito de egos.”

“Ele disse mais”, expressou Cristina:

“Raras são as pessoas que conseguem atingir a maturidade mental. A maioria, mesmo com idade avançada, permanece imatura porque, de alguma forma, por influências do ambiente social desde quando nasceram, foram impedidas de crescer com naturalidade.  

– Ele ouviu um filósofo dizer que muitas pessoas ficam emocionalmente retidas quando tinham cinco, dez anos, e, há menos que tenham sorte na vida, continuarão infantis por toda a existência. Adultos infantis podem ser empresários, políticos, líderes e, por isso, não raro tomam atitudes insanas como se fossem os donos dos outros.

Alice, que é psicóloga, resolveu fazer um comentário exatamente neste ponto do relato da amiga:

– O processo natural de maturação de um ser humano requer que se entenda os anos formadores da vida de uma pessoa. A sobrevivência é a primeira necessidade da criança; um sentido de sua própria significação é o segundo. Desde que nasce, a criança tem necessidade de sentir-se segura, notada e amada.

– Esse período é decisivo pois estamos sujeitos a sermos condicionados a não ser o que somos em nossa natureza original. E, por isso mesmo, não percebemos quando estamos agindo de modo infantil ou adulto, na resolução de nossos problemas.

De repente, Cristina lembra-se que precisa levar as compras para casa e preparar o almoço para a família, dá um beijo na face de Alice.

– Tchau, querida, vê se aparece lá em casa!

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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