EDITORIAL – ALÉM DO BEM E DO MAL

O atual cenário político ibiunense, prosseguindo uma tradição que moldou comportamentos e modos de pensar medíocres e enraizados, contribui notavelmente para robustecer o mito de que política e mentira são duas faces inseparáveis de um mesmo corpo. A verdade, dessa perspectiva, é apenas uma figura de retórica para fins de representação de natureza pública, mas distante da realidade palpável.

Como a situação observada é maniqueísta, de um lado o bem; de outro, o mal – cada qual se defendendo como força do “bem” e a outra parte sendo demonizada como “mal” e vice-versa – há um fosso, como nos castelos medievais, em que os corpos caem enquanto prossegue a batalha. O objetivo de um é manter a fortaleza de pé e preservar-se no poder; de outro, escalar as muralhas, lançar bolas de fogo, lanças, arrebentar a porta, atacar e destronar o inimigo. Nesse contexto vale tudo, sobretudo mentir de parte a parte porque isso faz parte da prática política cotidiana.

O que está além do bem e do mal é inatingível, porque se trata de um jogo tão bruto quanto sujo e sorrateiro, envolve todo tipo de influência, incluindo dinheiro, um protagonista sempre central em histórias políticas no Brasil, até mesmo o que se vê no ambiente da Suprema Corte do País causa descrença e perplexidade. O linguajar e os segredos dos deuses terrenos da justiça são inacessíveis para os não iniciados no jargão jurídico.

Sutilmente, vitrine online recebeu de ambas as partes envolvidas na história recente e em andamento em relação ao principal cargo do Executivo Municipal sugestões para publicar notícia ou chamar atenção para certos assuntos adversos ao respectivo oponente político. Não publicou nem uma nem outra coisa.

Da mesma forma, recebeu queixas por ter publicado notícia da entrevista coletiva do novo prefeito da cidade, apontando as denúncias ali reportadas como “mentiras deslavadas”. “Como você pôde publicar essas mentiras?” Mostravam-se agressivos. Informei: a revista está aberta ao contraditório. Nem podia ser diferente. Quando disse desminta as declarações houve recuo. A revista, ao publicar as denúncias, está prestando um serviço à sociedade. Se houve ali mentiras, os agentes sociais envolvidos também precisam denunciar. Essa é a perspectiva do regime político democrático.

Outro fato cruel estabelecido aqui é: a notícia só é boa (verdadeira) se for favorável; se for contrária, é manobra da oposição, compra da publicação e de espaço editorial. Está cristalizada na cultura uma divisão entre imprensa favorável à autoridade de plantão e a que compõe a oposição. A cidade um dia amadurece e supera esse aspecto de dependência cultural, para tomar suas próprias decisões cidadãs. Só haverá melhoria efetiva em Ibiúna quando a sociedade despertar do sono que a embalam os atores políticos há décadas.

É no mínimo um gesto de deselegância ou mesmo incompatível com os preceitos do cargo que ocupa, um prefeito se recusar a responder a um repórter, dar as costas e partir, depois de usar palavras de modo ríspido, porque este, cumprindo sua função profissional, publicou notícia que desagradou a autoridade.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.