ROSA, LISPECTOR E PESSOA PASSEIAM NAS MARGENS DA ITUPARARANGA

Esta abafada e calorenta segunda-feira de verão parece cozinhar meu cérebro e derreter meus pensamentos, a maioria instalada em meu cérebro por leituras. Em suma pensamentos dos outros. Nessa zorra total busco dentro de mim o que seriam ideias criadas por minha própria conta e risco. Olho de perto a natureza e me conduzo para seu interior guiado por xamãs e guerreiros invisíveis.

Tenho sonhado mais do que o habitual ou me lembrado mais dos meus sonhos e me lembro de que não estou sozinho e esse parece ser o desejo secreto daqueles jovens que marcam “rolezinhos” em shoppings para se juntar com a tribo e se sentir existente, já que a solidão nos pega de surpresa em qualquer lugar.

Amanheço com uma pequenina frase do grande Guimarães Rosa, um escritor sertanejo que reinventou o diabo na linguagem popular, o cramunhão que não larga do pé de pessoas incautas, e lembro dos anjos que voejam ao nosso redor, também silentes e invisíveis. Esse sol que resplandece no espelho de águas tranquilas da majestosa Itupararanga, onde faço meus exercícios matinais, é o mesmo sol que me cega.

“Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”. Eis aí,nessa frase límpida como cristal a potência transformada em ato poético de Guimarães Rosa. Sim! O milagre acontece agora, aqui nesse lugar, longe das cascas grossas hauridas do dia a dia inescrupuloso atrás de um salário mensal, inventado e parido pelo capitalismo selvagem que nos sujeita a tudo, menos a enxergar o milagre do outro que me olha, assim como eu a ele.

Não tem importância que você não entenda, leitor, pois não é preciso entender coisa alguma, pois deveria haver sentido nas coisas, mas os escândalos distorcem nossa percepção. É preciso chegar mansinho perto das palavras, assim como se entregar e se tornar um com a natureza que se espelha nessas águas de janeiro quente, enjoado. Não há de fato o que entender e tampouco isso é necessário.

Então minha amiga, meu amigo, para que pensar em vez de sentir. Clarice Lispector, por favor, diga a eles agora: “Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento.”

Já basta para você ou quer mais? Então que entre em cena Fernando Pessoa: “Existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

Da minha parte, basta! Agora é com você. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.