ELEIÇÃO DE TITIRICA REVELA A TÔNICA DO VASTO HORIZONTE CULTURAL BRASILEIRO

Já faz anos, veiculou-se na TV campanha de uma pomada contra hemorróidas. A cena era um cavaleiro cavalgando e o sobe e desce do seu bumbum sobre a cela do cavalo. Nada mais sugestivo. Com o tal produto, tudo bem para o cavaleiro. Na época não faltou gracejo relacionado à reação de pessoas desavisadas que tiveram “despertado” o desejo de comprar…cavalos. Histórias da propaganda. Analogamente, se as eleições ainda fossem no modelo antigo de cédula eleitoral, preenchidas pelo eleitor, é possível que muitos tivessem votado em Roberto Carlos, considerando a campanha protagonizada pelo Tiririca, desta vez segundo candidato mais votado para a Câmara Federal por São Paulo, na legenda do PR.

Tiririca, com jeito maroto, apareceu na TV diversas vezes parodiando Roberto Carlos, enquanto enfiava o garfo em um bife desconjuntado [referência à campanha de uma marca de carne que teve o popular cantor como protagonista]. Surgiram notícias de processos contra o candidato por parte do autor da letra e seu interprete famoso. Tiririca nem se importou e, desta vez, garfou 1.016.796 votos, contra os 1.350.000, nas eleições de 2010, quando foi deputado federal mais votado.

Em 1958, o então governador Jânio Quadros pediu ao governador do Rio de Janeiro, por empréstimo, um rinoceronte que havia nascido no Zoológico do Rio de Janeiro. Aqui seria uma das estrelas da inauguração do Parque Zoológico de São Paulo. Chamava-se Cacareco, nome que ganhou rápida fama na Capital paulista. No ano seguinte houve eleição para a Câmara Municipal. Era tempo de cédulas eleitorais, pois as urnas eletrônicas começaram a ser implantadas no Brasil a partir de 1996. Escrevia-se o que desse na telha dos eleitores na hora de votar.

Os políticos paulistanos daquela época, tal como tantos outros na atualidade, não gozavam de prestígio da população. Havia um grande descontentamento no ar. Para as 45 cadeiras na Câmara havia 450 candidatos. No meio do sentimento de frustração com os políticos, um jornalista teria sugerido o nome de Cacareco para o legislativo paulistano. O resultado foi arrasador para a época: Cacareco recebeu em torno de 100 mil votos. Coisas da política brasileira, que sem um pouco de humor a realidade fica dura demais.

Tiririca

Cantor-palhaço ou palhaço-cantor, Tiririca ganhou fama com a música “Florentina” e entrou no circuito da televisão brasileira com seu modo popular, de fácil compreensão por parte da maioria da população, criando um laço de identificação que o consagrou mais uma vez nas urnas. No meio das classes média e alta brasileiras Tiririca é visto como um palhaço, que não pode ser levado a sério como político. Não acreditam que ele possa fazer alguma ação efetiva ou até mesmo o consideram limitado intelectual e culturalmente, mas ninguém pode deixar de reconhecer sua esperteza de criar um lugar ao sol para si, na esteira da gargalhada, da galhofa, dos trocadilhos, das paródias.

Agora é preciso ter em conta que, se houve pessoas que votaram em Tiririca para, como no caso do Cacareco, demonstrar ironia ou insatisfação com os políticos em geral, não é menos verdade que a grande maioria votou nele por identificação autêntica com seu jeito simples e satírico. Por acreditar em sua figura. Ele fala a linguagem do povão e talvez, no plano inconsciente, reflita um desejo de expressão engasgado na garganta da gente brasileira simples. A tendência, no entanto, é que o político Tiririca vá perdendo o gás por um desgaste do próprio modelo que ele criou intuitivamente. Na comparação de escores, desta ver ele perdeu 333.204 votos em relação a 2010.

Por ter ficado mais proeminente, Tiririca tornou-se figura-símbolo de uma espécie de bizarrice política, junto com muitos que criaram personagens e nomes políticos esdrúxulos, sem lograr êxito como ele. Mas, encaremos os fatos com bom humor. Nada garante que seus pares vestidos no rigor da moda, com gravatas de seda importadas, ar de seriedade, com estilo e comportamento esteriotipados, possam se considerar superiores a ele. Se Tiririca nada fizer além de somente comparecer a todas as sessões, e, sobretudo,  não cair em cambalacho de “raposas”, já terá mérito, em um ambiente marcado por manobras sorrateiras que viram escândalos, que tanto desvalorizam a credibilidade dos políticos. (C.R.)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.