A POLÍTICA SOMENTE MUDA QUANDO A POPULAÇÃO DESPERTA E AGE

Psicóloga, minha filha contou-me algo que jamais esqueci. Disse-me que os presos, sobretudo os que cumprem penas mais longas, ficam de tal maneira condicionados aos limites de suas celas, a ponto de perderem, em grande parte, o senso de orientação cine-espaço-temporal, isto é, movimento que ocorre em um lugar e num determinado tempo. Isso significa, por exemplo, que os primeiros momentos em que são postos em liberdade, correm o risco de serem atropelados ao atravessarem uma rua.

No livro Mais Platão, menos Prozac, que relata o trabalho da filosofia aplicada ao cotidiano, há uma oportuna observação: “Após um longo período sem conhecer outra coisa, os prisioneiros passam a temer o mundo fora de suas celas. Se um dia os portões se abrissem, muitos continuariam exatamente onde estavam.”

Li, certa vez, que os peixinhos de um aquário revelam comportamento similar quando, depois de estarem igualmente limitados ao espaço de um aquário, levam algum tempo para se dispersarem, assim que o aquário é retirado em águas mais calmas no fundo do mar.

Então, agora chegamos ao ponto. Enquanto a população permanecer tal como é, nenhuma mudança realmente importante acontecerá nos rumos da política brasileira e também na ibiunense, que é o que nos interessa mais de perto neste momento. Pois a política só muda quanto a população desperta por novos conhecimentos adquiridos, desenvolve um senso crítico mínimo, define seus objetivos, se organiza e age. Fora disso, a história mostra, resta apenas a quimera ou o autoengano crônico.

Aqui em Ibiúna notam-se pequenos vestígios de um lento despertar, gerado por um contínuo e longo processo em que as coisas parecem nunca mudar: os mesmos políticos eleitos, as mesmas insatisfações que geram na população e esta que parece preferir a segurança da “prisão” e o temor ante o desconhecido a uma inovação dos costumes.

Há muito se nota um comportamento social marcado pela discrição aparente, receio de exposição pública, temor de represália e uma evidente incapacidade de se organizarem em torno de um objetivo comum. Um caso recente de atitude diferente do habitual foi o movimento do professorado para defender seus direitos e melhoria geral na qualidade de ensino municipal e dos recursos disponíveis, que vitrine online acompanhou de perto e noticiou amplamente.

Ainda hoje, conversando ao telefone com um jovem político ibiunense em função pública, ele tomou a iniciativa de achar que as coisas andam meio estranhas em Ibiúna. Disse a ele que esse sentimento também era meu. Qual o significado desse estranhamento quase instintivo? Ainda não sabemos, mas um fato pode ser considerado como certeza: a única coisa constante é a mudança e não há poder que impeça esse fato. Seja lá o que for, que venha para o bem da população e da [ainda exuberante] natureza que nos acolhe.

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Carlos Rossini, jornalista e sociólogo, é

editor de vitrine online

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.