UM ZIZIAR DE AMOR VIBRA NA IMENSA FLORESTA IBIUNENSE

CIGARRAAdotei naturalmente o hábito de “conversar” com as árvores, dizendo poucas palavras, é verdade, por que nosso “diálogo” é principalmente com o olhar, vendo suas danças ao vento, seus pequenos tremores provocados pelos pássaros que se enfiam em seus galhos balançando as folhas ou, ainda, quando estão quietas. Falo com elas diariamente.

Primeiro, olho ao redor e passo a cumprimentá-las e, mais do que nunca agora, que é primavera, tenho elogiado suas flores e agradeço pela presença e companhia de todas elas. Depois, e isso é um ritual maravilhoso, deito-me numa rede e, silente, fico a mirá-las, em suas variadas tonalidades de verde banhadas pela luz dourada do Sol, tendo o céu como fundo.

Deliberadamente, me abro para elas e elas se tornam parte da minha vida. Há momentos em que pequenos milagres visuais acontecem, sobrevindo um sentimento de serenidade incomum.

Hoje, no entanto, percebi intensamente pela primeira vez, nesta primavera, o espetáculo sonoro quase ininterrupto das cigarras, pois é nesta estação que elas se acasalam e é exatamente para essa finalidade que os machos ficam ziziando sem parar. Também se pode dizer que chiam, estridulam, freteniam, rechiam, rechinam, retinem, zinem, zunem. Todos são nomes atribuíveis ao canto das cigarras.

Faz poucos dias, havia uma cigarra fixada num dos tubos da caixa d’água, na verdade somente sua carapaça transparente e oca, como ficam esses insetos depois que morrem. Observei aquele serzinho e aprendi alguma coisa que ainda está se processando em minha mente, sobre o sentido da vida cotejado com as coisas absurdas que acontecem na sociedade dos animais humanos.

Bem, aí resolvi saber um pouco mais sobre essa criaturinha cantante e agora compartilho o que consegui encontrar. Fiquei sabendo que os insetos usam o som para algumas finalidades, como comunicação entre si, em sinal de defesa ou ataque e para o acasalamento. Este é caso das cigarras. O canto é usado pelos machos para atrair as fêmeas para o amor. A cigarra-macho tem uma espécie de caixa acústica na base do abdômen com uma membrana vibrátil. As fêmeas não cantam porque não possuem a membrana.

O som estridente é exercido somente no período reprodutivo, o que explica por que só cantam quando adultos. Na primavera, como tenho observado, zinem todos os dias. Os machos se fixam nas plantas, troncos de árvores, em geral quando amanhece ou ao entardecer, e aí passam a ziziarziziarziziar para atrair uma parceira. É o canto do amor que estava ouvindo deitado na rede.

Há um folclore que diz que as cigarras cantam até morrer, mas isso não é fato verdadeiro. Na realidade, o canto persistente faz com que o órgão sexual da cigarra se projete para fora do corpo à espera da companheira.

Antes que isso aconteça, no entanto, a cigarra vive a maior tempo quieta no solo, alimentando-se da seiva das raízes das plantas e sai dali somente quando precisa encontrar uma namorada. Uma especialista informa que há milhares de espécies de cigarras e que cada uma delas emitem um som peculiar, o que é uma espécie de garantia para chamar parceiras da mesma linhagem.

Talvez a ideia que a cigarra canta até morrer venha do fato de que a vida dos machos das cigarras não durar mais do que um mês, de uma vida nada fácil.

Quando estão na fase de ninfa (imaturas) podem viver até 17 anos debaixo da terra, sugando a seiva das raízes que a cercam. Quando atingem a fase adulta, voam livres no espaço com suas cores brilhantes. Contudo, nesse momento, de sua breve existência, enfrentam muitos perigos, sobretudo por parte das aves, suas maiores predadoras. Mas, nem por isso deixam de exibir seu canto de amor, impulsionadas por uma incontrolável força magnética que existe em toda a Natureza. (C.R.)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.