SESSÃO TUMULTUADA – RECOLOCADA EM VOTAÇÃO, CPI DA MERENDA ESCOLAR PASSA NA CÂMARA POR 10 VOTOS A 3

Nova fotoA Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que vai apurar possíveis irregularidades no setor de merenda escolar na rede municipal da Educação foi, finalmente, aprovada hoje (3), por 10 votos favoráveis e 3 contrários, numa das mais longas e tumultuadas, e surpreendentes sessões da Câmara Municipal de Ibiúna.

O que deveria ser uma reunião tranquila, com a indicação de mais dois componentes da comissão pelo presidente da Casa, já que a CPI tinha sido aprovada por requerimento ao obter sete assinaturas, na sessão do dia 27 de outubro, se transformou num estressante clima de indignação e bate-boca.

Esse fato aconteceu de maneira surpreendente quando o vereador Israel de Castro (PSDB), levantando uma “questão de ordem”, evocando os termos do § 2º, do artigo 64, do Regimento Interno da Câmara, defendeu que a criação da CPI deveria ser submetida a um projeto de decreto legislativo e não da forma como havia sido feito no dia 27 de outubro, por meio de requerimento, como preconiza a Lei Orgânica do Município.

Essa postura caiu como bomba no meio do plenário, sobretudo nas cabeças do parlamentares que tomaram a iniciativa de propor ou apoiar a instalação da CPI. Havia uma inquietação ainda maior porque o prefeito Fábio Bello (PMDB), em pessoa, acompanhado do vice-prefeito, Tadeu Soares, e o secretário Rafael de Cassia Cerqueira, de Cultura e Turismo, haviam se reunido com os vereadores da base aliada, especialmente na sala de Israel de Castro.

A presença de Bello provocou diversos comentários dos parlamentares, que apontaram tanto a iniciativa do vereador do PSDB quanto as conversas em salas fechadas como “manobra do prefeito” para impedir a aprovação da CPI.

Bello ficou no corredor, depois passou por trás da parede do plenário e ficou na porta do gabinete do vereador Zaia, de onde podia ouvir o que os vereadores diziam. Quando aparentemente parecia estar tranquilo com o bloqueio da CPI, deixou o prédio da Câmara por volta das 11h30.

De fato, havia um clima de que a CPI  não passaria e essa possibilidade parece ter balançado os vereadores oposicionistas que buscaram uma energia verborrágica e, de modo enfático, fizeram discursos inflamados e, pelo resultado final, convincentes. Foram eles Carlinhos Marques (PSB) e propositor da criação da CPI; Beto Arrais (PPS), que junto com a vereadora Rozi Soares Machado (PV) fizeram um levantamento consubstanciado em dados objetivos e reais, e Pedrão da Água (Pros).

Em síntese, Pedrão da Água evocou um comportamento dos vereadores que assegurasse a dignidade da Câmara Municipal como poder independente e não submetido à vontade do prefeito, a quem chamou de “gato”, porque Bello ao passar pela porta de entrada lateral da plateia fez um rápido aceno com uma das mãos, uma espécie de “chauzinho”. “Ele esconde a outra mão”, disse Pedrão. Em um pronunciamento em que apelou para o bom senso dos vereadores, reiterou diversas vezes que 2016 é um ano eleitoral e “que o povo que acompanha nosso trabalho” saberá decidir sobre os atos de cada um de nós na hora de votar.

Carlinhos fez um arrazoado com base no conhecimento robusto que adquiriu em relação ao contrato e à empresa contratada pelo prefeito por meio de um ato emergencial. Lembrou que a SP Alimentos, cujo proprietário foi preso em São Paulo “por fraudes” e que essa mesma firma provocou a prisão de diversos vereadores no município de Limeira, que aceitaram propina para impedir a instalação da CPI na Câmara daquele município paulista.

Beto Arrais, diversas vezes, chegou a gritar no microfone tal a sua indignação com a tentativa de se impedir a instalação da CPI. Chamou o prefeito Fábio Bello de “rei” e o secretário Renê Aparecido da Silva, da Administração, como o “expert” em licitações contratado por Bello que deveria saber, como o prefeito, de quem se tratava a empresa contratada, com tantos fatos desabonadores. Beto apresentou seus argumentos fundamentado em dados concretos e oficiais, desde a leitura dos termos do contrato, à advertência feita pelo Conselho Municipal de Alimentação Escolar, e aos valores cobrados pela SP Alimentos considerados abusivos tanto em relação à quantidade quanto a qualidade dos produtos,  e também quanto à forma de quantificação de refeições e uma logística errada. Exemplos: se um professor pegasse mais uma laranja (só uma) era cobrada como uma refeição; o mesmo acontecia quando a criança pedia mais um simples nugget. Em suma, o número de refeições crescia exageradamente para fins de faturamento.

Todos os três reiteradamente disseram que não estavam ali para promover a cassação do prefeito e tampouco de condená-lo por alguma irregularidade e, sim, para promover uma investigação para apurar os fatos concretos relacionados à merenda escolar no município. “Se nada for encontrado de irregular, disse Beto, pago um almoço para todos que aqui estão presentes no Marquinhos, e serei o primeiro felicitar o prefeito, por ter agido de modo correto.” Carlinhos e Pedrão comentaram que “se não há nada para esconder, por que criar obstáculos para a criação da CPI?”

merenda escolar 2

O líder do prefeito na Câmara, vereador Devanir Candido de Andrade (PMDB), argumentou que no início as merendas estavam sendo fornecidas a contento e que, com o passar do tempo, começaram as reclamações, incluindo depoimentos de diretoras de escolas. Mesmo raciocínio apresentado pelo vereador Israel de Castro (PSDB) que argumentou ainda, que no passado, em outras administrações, também houve problema com a merenda escolar e que, agora, com a insatisfação declarada, Bello já havia rescindindo o contrato com a SP Alimentos, que, portanto, não havia necessidade de se criar uma CPI, provocando reação crítica nos vereadores oposicionistas.

Volta à calma

Somente depois que a votação foi somada e que se confirmou que a CPI iria em frente a calma voltou no plenário, de um dia extremamente cansativo, houve um alívio que mereceu comemoração por parte dos parlamentares oposicionistas.

Votaram a favor da instalação da CPI: Rozi Soares Machado (PV), Beto Arrais (PPS), Aline de Moraes (DEM), Pedrão da Água (Pros), Abel do Cupim (Solidariedade), Carlinhos Marques (PSB), Odir Viera Bastos (PSC), Luiz Carlos de Carvalho (PMDB), Paulo Kenji Sasaki (PTB), Paulo Cesar Dias de Moraes (PR).

Votaram contra a instalação da CPI: Leôncio Ribeiro da Costa (PDT), Devanir Candido de Andrade (PMDB) e Israel de Castro (PSDB).

Houve duas abstenções: do vereador Jair Marmelo (PCdoB), que não compareceu à sessão, e do presidente da Câmara, Rodrigo de Lima (PCdoB), que só teria de votar se houvesse um empate, o que não aconteceu.

Entenda o que aconteceu

  1. A criação da CPI da Merenda Escolar no dia 27 de outubro, se fundamentou no § 6º do artigo 22, do Regimento Interno da Câmara Municipal que define: “As Comissões Parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais além de outros previstos no Regimento Interno da Casa, serão criadas pela Câmara Municipal, mediante requerimento de (1/3) seus membros, para apuração do fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que se promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”
  2. O vereador Israel de Castro evocou, em seu pedido de ordem, o teor do § 2, do artigo 64, da Lei Orgânica do Município, que define: “Recebido o requerimento, a Mesa elaborará Projeto de Resolução ou Decreto Legislativo, conforme a área de atuação, com base na solicitação inicial, segundo tramitação e os critérios fixados nos parágrafos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º e 8º do artigo anterior.”

Por ser a Lei Orgânica do Município hierarquicamente superior ao Regimento Interno da Câmara, a assessoria jurídica da Casa, orientou o seu presidente, a proceder de acordo com a determinação da Lei Orgânica.

Na realidade, pelo menos no que diz repeito a esse assunto específico, as determinações tanto de uma quanto de outra fonte são incompatíveis, havendo necessidade de uma atualização e harmonização entre os dois fundamentos administrativos. Vitrine online obteve a informação de que pedidos de CPI são muito raros na Câmara Municipal de Ibiúna e esta seria uma das razões por que não houve uma atualização e compatibilização nesse capítulo.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.