DEPOIS DO CARNAVAL – MILHÕES QUE SAÍRAM ÀS RUAS VOLTARÃO À TRISTE ROTINA DE UM PAÍS DESGOVERNADO

Sociologicamente, o Carnaval de 2018 se apresenta com algumas peculiaridades relevantes como fenômeno de natureza coletiva. Uma delas é o número de pessoas que, em bloco, saíram às ruas aos milhões em todo o País, supostamente para se divertir num festival que compõe a tradição cristã no período que antecede a Quaresma: o pecado da carne antes, o pagamento do tributo em forma de recolhimento em meio de cinzas, supondo que um fogo irá purificar todo o rebanho.

Como formigueiros humanos vistos do céu, todas foram às ruas por diversos motivos: curtir uma ilusão passageira, sentir-se pertencente à comunidade humana, alegrar-se dançando, cantando, sorrindo, abraçando, pulando, beijando, vender e consumir drogas em quantidades inimagináveis, praticar arrastões, assaltar e roubar, matar, manter relações sexuais num clima propício para bacanais e promiscuidades, ingerir cerveja sem limites, além de outras bebidas cujos conteúdos nem se sabe, passar doenças transmissíveis a incautos, afastar o tédio e angústias, o sentimento de vazio e de solidão de estar vivendo num mundo absurdo e sem sentido, entregar-se a libações como se não houvesse amanhã. Outras razões certamente podem ser incluídas.

É inevitável fazer ilações tendo como cenário de fundo a realidade socioeconômica vivida pelo povo brasileiro, que aparentemente, é o “mais alegre do mundo”. Coincidentemente, milhões vão às ruas num país enlameado pela corrupção, irresponsabilidade dos governantes, legisladores e até mesmo dos representantes das altas esferas do poder judiciário. O povo pisoteado, sofrido, espoliado buscando oxigênio e um refrescamento mental em alguns dias em que as fantasias criadas dão vazão a sonhos e quimeras que se dissipam rapidamente como as nuvens sopradas pelo vento.

Pois bem! E se esses mesmos milhões de pessoas saíssem às ruas para protestar contra a situação crítica vivida pelo país, em que se retira e se sonega ao povo brasileiro o direito ao trabalho (milhões de desempregados, jovens sem oportunidade de trabalho), à saúde, mas com direito à febre amarela (o atual ministro da Saúde havia garantido que essa doença estava sob controle no Brasil, por isso faltou vacinas que precisaram ser fracionadas), à segurança (nunca os níveis de violência pública foram tão elevados (o Rio de Janeiro vive num estado de guerra civil diário, com mortes de pessoas inocentes), pessoas sendo assaltadas à luz do dia em qualquer lugar, incapacidade e despreparo da polícia para conter tantos crimes (até mesmo policiais são mortos nas contendas com bandidos), imposição de legislações (reforma trabalhista é um exemplo) liquidando com direitos básicos históricos do trabalhador brasileiro, a pretendida reforma da Previdência (uma espécie de caixa de pandora que pretendem abrir quando poderiam resolver o problema evitando o roubo de tantos bilhões de reais em uma sequência de escândalos desavergonhados? E assim vai a nave brasileira singrando um mar desconhecido.

Acreditem que um protesto público dessa magnitude derrubaria o governo em qualquer país do mundo e mostraria que a vontade popular é a mesma que delegou poderes às autoridades e, por sua própria soberania, tem o direito de retirá-lo porque os eleitos tiveram desvio de conduta e se tornaram inimigos públicos número 1 da maioria da nação.

A esta altura viram que a grande indústria cultural (emissoras de TV poderosas e grandes portais) tende a ser conservadora e a manter o status quo. Em troca de fabulosas verbas publicitárias, faz de tudo para manter o povo sob hipnose por meio de uma programação para consumo e controle da grande massa desprovida de uma educação libertária (de propósito). O sistema de gestão editorial da TV Globo, uma das maiores emissoras do mundo, por exemplo, avalia ininterruptamente a repercussão do que lança no ar e evitará ao máximo atritos (está cada vez mais malvista) com o público do qual quer se aproximar cada vez mais, mesmo “rebaixando” seu arrogante padrão de qualidade se preciso for.

Enfim, amanhã é Quarta-Feira de Cinzas que marca o início da Quaresma, tempo de penitência e oração mais intensa, arrependimento dos pecados e volta para Deus. Talvez seja um convite para uma reflexão sobre o que é real e o que é ilusão, verdade e mentira, acordar ou manter-se dormindo, prosseguir com o medo paralisante ou abrir uma fresta para a coragem de procurar se libertar de uma prisão imensa constituída por um país de dimensões continentais chamado Brasil. Sim, o Brasil, da forma como está sendo administrado, transformou todo o seu território em uma prisão opressiva, ao tolher e desrespeitar os cidadãos em seus direitos básicos, fundamentais e previstos na Constituição Federal. (Carlos Rossini)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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