ENSAIO – VOCÊ VÊ A VIDA COMO ELA É OU COMO GOSTARIA QUE FOSSE?

Antes de entrar no mérito deste breve ensaio, é preciso advertir os leitores que, de modo geral, as pessoas comuns [diferentes, portanto, das incomuns] tendem a ver a vida sob lentes que só permitem perceber a aparência superficial – e potencialmente falsa – das coisas. Em suma, têm uma relação rasa com os fatos.

Isto posto, se você gosta de ver a vida como ela é, sem retoques ou cosméticos, pode considerar-se um realista, pois seus pensamentos e atitudes deixam de lado sentimentalismos ou qualquer forma de desvio da objetividade.

Essa conduta tem lá suas vantagens, já que você vai direto no foco da questão, do real e da verdade, sem nenhum tipo de melosidade em suas relações com os outros. Mas também, se não dominar essa arte com sabedoria e flexibilidade, pode bater de frente com pessoas despreparadas para compreender suas razões subjetivas.

Uma das leis que você segue é repelir as falsidades e hipocrisias que se espalham pelas várias camadas sociais que incluem seus parentes, vizinhos, colegas de trabalho, autoridades e assim por diante. É muito provável que intimamente critique as injustiças que cometem contra você e com os outros, mas use a cautela para não se envolver – na prática cotidiana – em problemas alheios.

O realista, nos tempos modernos, é também extremamente materialista no sentido de cuidar dos seus próprios interesses e defender sua posição de crescimento e manutenção de status econômico e social. Os bens materiais contam muito, já que a insegurança financeira pode causar abalos terríveis, em certas circunstâncias. Você percebe agudamente o que acontece com os desvalidos e procura manter-se afastado desse tema diabólico. Em posições radicais nem mesmo quer ouvir falar dos pobres e miseráveis.

Agora, se você dá valor a aspectos interiores e espirituais da natureza humana e acredita que a realidade pode – e deve – ser mudada, odeia a intolerância, o preconceito e os comportamentos frívolos, as injustiças sociais, a superficialidade e as falsidades nas relações humanas, pode considerar-se uma personalidade romântica.

Quando a famosa Revolução Francesa mostrou seu fracasso em garantir a instituição prática de suas três premissas fundamentais [Liberdade, Igualdade e Fraternidade], os românticos da época pagaram um preço elevado, pagando muitos com a própria vida, a oposição dos revolucionários realistas, que acabaram com a monarquia naquele país.

Baixando a bola para nosso plano mais simples, nossa sociedade é povoada de realistas e românticos. Entre os primeiros, na versão mais chula e horrível de sua rubrica, se incluem políticos e empresários corruptos e aproveitadores da inocência dos personagens mais comuns da história. São aproveitadores e oportunistas e, por um inexplicável absurdo, muitos deles são chamados erroneamente de “esquerdistas”.

Há a esquerda realista, mas não há esquerdista sem romantismo que a base de formação é o arquétipo do “herói” transformador do mundo. O que têm chamado de esquerdistas, por falta de conhecimento de política teórica, são, na verdade, mistificadores e enganadores da população.

Assim como a escala do realismo se estende de um tom suave, quase imperceptível, a uma tonalidade extrema, em que a falta de caráter é predominante, no romantismo acontece fenômeno similar, que vai de uma pureza natural a um radicalismo inconsequente, do ponto de vista social.

Assim, na pequena paisagem dos nossos pensamentos íntimos e das nossas relações diárias com os outros aos fatos que envolvem milhões de pessoas, aglutinadas num tema comum, temos uma fonte de conflitos que nos torna todos produtores de uma obra, como se fosse uma torre de Babel contemporânea e rediviva. E provoca aquilo que os sociólogos chamam de normose, a doença social criada pelas máscaras que repomos diariamente para sobreviver com inimigos potenciais, tendo a desconfiança generalizada de uns contra os outros como pano de fundo de nossas existências frustradas e geradoras de inúmeras doenças provocadas por nossas mentes perturbadas. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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