MEMORIAL DE RESISTÊNCIA À DITATURA É MARCO HISTÓRICO-CULTURAL EM IBIÚNA

No dia 20 de março de 2010 foi inaugurado um memorial dedicado aos estudantes brasileiros, entre os quais se incluem aqueles que foram presos, torturados, mortos, desaparecidos, e que constituíram a maior resistência à ditadura militar no Brasil [durou duas décadas de 1964 a 1985]. Tornou-se um expressivo e relevante marco de atração turístico-cultural do município de Ibiúna.

Instalado em frente à Igreja de Nossa Senhora das Dores, na Praça Marechal Deodoro, o lançamento da obra fez parte das comemorações do 153º aniversário da cidade de Ibiúna, como memorial perene de um dos episódios que contribuíram decisivamente para o estabelecimento da democracia no País.

“É uma forma de poder mostrar, especialmente para a juventude, que não conheceu os fatos, uma obra de arte que se reporta a um período triste da história do Brasil, para que nunca mais aconteça”, afirmou na ocasião a artista plástica Cristina Pozzobon, criadora do memorial, uma paranaense que reside em Porto Alegre.

O memorial duas faces. Uma delas apresenta estilizados rosto e mãos de uma figura humana, construído em aço naval. “Expressa uma ideia dolorosa, mas também de resistência e luta contra o regime militar” – explicou a artista – e fotografias de vinte e três jovens mortos no período. O outro lado exibe um texto exaltatório de mais de setecentos nomes de estudantes. Eles foram presos pela então Força Pública (atual Polícia Militar) e membros do Exército na chuvosa manhã do dia 12 de outubro de 1968, quando se preparavam para a realização do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes, em um sítio localizado no Bairro do Murundu, a cerca de vinte e cinco quilômetros do centro da cidade, cuja população na época somava dez mil habitantes. Entre os líderes do movimento se encontravam José Dirceu, que foi ministro da Casa Civil do Governo Lula (hoje uma das figuras mais proeminentes envolvido no chamado escândalo do Mensalão), Vladimir Palmeira e Luiz Travassos.

O memorial integra o projeto “Direito à Memória e à Verdade” criado em 2007 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Inclui exposições, já realizadas em mais de setenta cidades brasileiras, debates em escolas e universidades e memoriais permanentes, como o inaugurado na Praça da Igreja Matriz de Ibiúna.

A obra, antes de ter sido fixada definitivamente em Ibiúna, se encontrava no prédio do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), vinculado à Polícia Federal, posteriormente transferido para os estados com a denominação Deops, extinto em 1983.

Reformado, o prédio agora abriga a Pinacoteca do Estado no Bairro da Luz, na região central da cidade de São Paulo.

Temido à época, o Dops era um órgão policial visto como um lugar sombrio e de terror. Ali militantes de esquerda foram presos, torturados e mortos, por defenderem uma ideologia política diferente da estabelecida.

Com a prisão dos líderes estudantis em Ibiúna, o movimento se dispersou, mas esse fato não impediu a realização de passeatas e outras manifestações por todo o Brasil.

Dois meses depois da prisão dos estudantes em Ibiúna, o presidente Costa e Silva decretaria o famigerado Ato Institucional nº 5, por meio do qual fechou o Congresso Nacional, aposentou juízes e suprimiu o direito ao habeas corpus.A partir de então, o Brasil viveria um dos mais duros períodos de sua história, com supressão de direitos civis, repressão militar e policial. Mais de vinte anos se seguiriam, até que se iniciasse o processo de abertura política que culminou com a volta da democracia, com o poder devolvido aos civis, conquistada a duras por estudantes e civis, pela qual muitos deram a própria vida.

Cristina Pozzobon contava apenas sete anos quando houve as prisões em Ibiúna de centenas de jovens idealistas. Os que sobreviveram hoje são sessentões. Aos quinze, já manifestava uma percepção aguçada dos fatos políticos. Atualmente, integra uma ONG denominada Alice – Agência Livre para a Informação, Cidadania e Educação, como forma de contribuir para que os tristes episódios que mergulharam o País nas trevas de uma famigerada ditadura por duas décadas “jamais voltem a acontecer.” (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.