MINHA AMIGA SONHOU COM A CIDADE OUTRA VEZ

Queria me contar um sonho que acabara de ter e achou que precisava compartilhar com alguém para se acalmar.
“Não sei se estou perdendo minha cidade, ou se é ela que me está perdendo”, escreveu pegando-me de surpresa.
Como assim?
“Sinto-me cada vez mais estranha em relação a tudo, a lugares, pessoas, situações, como se ela estivesse perdendo gradativamente a perspectiva, como nas pinturas antigas, ou se a imagem e as cores estivessem derretendo e perdendo a forma que a constituía.”
Que estranho!
“Mais uma vez, no sonho, senti que era uma árvore que estava se separando de suas raízes pela absorção da seiva pela terra. Essa sensação me fez acordar assustada e insegura.”
“Por isso liguei para você, pois confio em você, meu amigo. Acho que preciso de ajuda e, ao mesmo tempo, sinto que preciso reagir e encontrar forças em mim mesma. Estou num dilema!”
“Conte comigo e com você!”
“Agora me recordo também de uma imagem que fez meu corpo tremer. Na cidade as árvores se transformavam em pessoas e saiam andando pelas ruas como numa procissão mas, ao mesmo tempo, pareciam estranhas umas às outras e sem saber para aonde ir, mas parecia que precisavam dizer algo muito importante.”
“Você conseguiu saber do que se tratava?”
“Não. Elas na realidade sentiam uma necessidade, mas pareciam travadas e incapazes de interpretá-la e, talvez por isso, continuavam caminhando pelas ruas desertas.”
“Elas faziam algum ruído, cantavam ou gritavam, por exemplo?”
“Percebi apenas um murmúrio desarticulado e aparentemente sem sentido algum. Me pareciam mesmo perdidas, mas absurdamente unidas por um propósito desconhecido.”
“Eu também venho tendo sonhos estranhos, parecidos com o seu, mas consigo recordar a maior parte deles e arriscar as minhas próprias interpretações, a fim de encontrar algumas explicações para as personagens que surgem e desaparecem e que me parecem irrequietas, desassossegadas e insatisfeitas com algo.”
“O que você gostaria que acontecesse, considerado esses sonhos, pois isso também venho me perguntando?”
Resolvi escrever essas linhas para compartilhar esses sonhos e descobrir se estão ocorrendo também com outras pessoas.
Minha amiga e eu temos um sentimento comum: amamos nossa cidade e talvez a quiséssemos ver diferente, um lugar em que pudéssemos nos sentir confiantes e seguros, em que houvesse mais alegrias e menos dramas, participar da construção do seu futuro a cada dia, acreditando na felicidade como uma possibilidade real.
Bem, minha amiga conversou comigo por mais de uma hora ao telefone e procurei refletir para ela ideias refrescantes e restauradoras de sentimentos saudáveis e fiquei feliz quando a ouvi dizer que já se sentia melhor e que, enfim, os sonhos são assim mesmo povoados de imagens de anjos e demônios, mas quando a noite e o medo se vão e começa a clarear, a luz nos prepara um novo despertar para a realidade. (C.R.)