PERSONA – PROFESSORA CIDINHA DÁ AULA IMPERDÍVEL DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DEMOCRÁTICA

A professora Cidinha é a segunda personagem residente em Ibiúna a figurar na nova coluna PERSONA, publicada por vitrine online. De cara, nos deixa à vontade para interferir no seu relato biográfico, que você leitor pode ler logo abaixo. Mas, como mexer num texto irretocável rico em sensibilidade, autenticidade e revelador de um ser humano, no sentido em que essa palavra tem de melhor. Por isso, decidimos apenas fazer uma leve revisão e lançar para o mundo uma história que tem muito a nos ensinar.

Veja como ela respondeu uma das perguntas que formulamos – Quem é você? – e aproveite, pois a aula está apenas começando:

Entendendo a questão da identidade como uma criação cultural, instável e inacabada, devo dizer que, muito mais que os fatores biológicos, minhas interações com o outro, seja pela forma de estudos, leituras, filmes, conversas e  relacionamentos estão sendo responsáveis pelo meu ser, que muda e se transforma a cada dia e a cada novo encontro. Portanto, estarei sempre em construção, até o último dia de minha vida.

Meu nome é Maria Aparecida Ouvinhas Gavioli, conhecida por Profa. Cidinha.

Nasci em Lins, no dia 1º de Maio, prematura de quase 7 meses, com apenas 1,2kg, com pouca perspectiva de saúde.

Meu pai (funcionário da Prefeitura de Lins e vereador por três mandatos consecutivos, na época em que não se remunerava esse cargo) e minha mãe, professora, assim como uma irmã, já falecidas, deram-me uma educação amorosa e libertadora.

Em 1964 formei-me professora, mas como não tinha ainda 18 anos, esperei 1965 para o início de minha profissionalização.  Lecionei até 1970 no ensino fundamental na zona rural de Lins, tendo como referência, entre outras, estudos e práticas presenciais com o ilustre educador Paulo Freire, colaborador na minha formação, baseada na  democracia, autonomia e solidariedade.

Em 1965 concluí o Curso de Aperfeiçoamento do Magistério Primário.

No ano de 1966 casei-me com Gerson, único amor de minha vida até hoje.

Em 1971 ingressei, através de um concurso, no Centro de Saúde I de Lins, “Dr. Mohana Adas”, exercendo atividades de Educação em Saúde Pública e outras práticas, onde permaneci até início de 1984.

Em 1972 conclui o Curso de Administração Escolar; em 1974 graduei-me em Pedagogia, com Habilitação em Orientação Educacional e em 1984 concluí Habilitação em Magistério para Deficientes Mentais.

Em meados de 1983 meu esposo que trabalhava no Banco do Brasil foi transferido para Ibiúna e viemos nós e os três filhos (Adriana, André e Gustavo) para esta cidade que adotamos como mãe.

Fui transferida para o Centro de Saúde “Dr. Arcy Bandeira”, onde exerci as mesmas funções de Saúde e Educação no período da manhã e por necessidade do município, através da Diretoria de Ensino de S. Roque, criei uma Classe Especial para Deficientes Mentais onde lecionei no período da tarde de 25/08/1984 a 21/12/1984, não podendo continuar no ano seguinte por questões de acumulação de cargo.

De 25/08/87 a 31/12/89 exerci o cargo de Coordenadora Pedagógica nas EMEIS (Escolas Municipais de Educação Infantil) de Ibiúna.

Em 1991 fiz um projeto para a Prefeitura Municipal de Ibiúna no qual destacava a criação de uma Escola Municipal de Educação Especial, denominada “Arco-Íris”. Exerci o cargo de Diretora de 1991 até outubro de 2004. Nessa época acreditava que a educação de pessoas com deficiência poderia ser melhor em ambientes restritos, prescritos à Escola Especial.

Após um ano dirigindo a Escola Especial, constatei que, apesar de toda técnica, do corpo docente especializado, de recursos abundantes, da articulação com terapeutas da área da saúde, os alunos não tinham avançado na aprendizagem. Por quê?

Fui à procura de respostas à luz da ciência e de estudos com autores compromissados com a causa, destacando-se entre muitos, a Profa. Maria Teresa Mantoan da UNICAMP. Ressignifiquei minhas crenças e princípios; ratifiquei que só se aprende com o outro; que quanto mais diferente de mim for esse outro, maior a riqueza e a troca de experiências. Continuei evoluindo por meio de estudos incessantes, atualizações, congressos, apontando mudanças naquilo que eu havia aprendido nos bancos da Faculdade e das Especializações. Ora, se os alunos estavam separados por sala e por deficiência, focados em sua limitação, semelhantes em suas dificuldades, como iriam aprender?

Mudei a perspectiva. Comecei a trabalhar pela inclusão total e imparcial de todos, alunos com e sem deficiência; focada em eliminar as barreiras atitudinais, arquitetônicas, organizacionais, metodológicas das escolas e da sociedade. Com a ajuda da equipe fiz formações mensais em educação inclusiva abertas para a rede comum e para os pais a fim de que essa mudança fosse bem recebida e articulada com todos, além de cinco Congressos anuais no município, com a participação de estudiosos no tema.

Portanto, após 1 ano, em 1992, humildemente encarando o equívoco inicial de separar os alunos com deficiência, comecei o processo de inclusão (no início, uma integração), mas não consegui terminá-lo por motivo de minha demissão em 2004, sem justa causa, sendo completado e concluído alguns anos depois, por uma atuante professora (MILA ZEIGER), querida ex-aluna da FAPEC, hoje companheira de ideias e ideais.

Nunca mais parei de trabalhar pela inclusão. Ainda traumatizada pela interrupção injusta do trabalho fui chamada para ser Assessora de Educação Inclusiva nas Secretarias de Lins – SP (de 2006 a 2009) e de Amparo -SP (de 2006 a 2012) numa parceria com a Profa. Dra. Ana Cristina Piletti. Ao mesmo tempo, atuei como docente ministrando aulas sobre Gestão Educacional Inclusiva, Currículo e Ensino por Projeto interdisciplinar e Saúde e Educação  no curso de Pedagogia da FAPEC/UNIESP, de 2003 a 2015.

Contribuí inúmeras vezes em encontros, palestras, rodas de conversa sobre o temas “Inclusão” e “Educação”, em Ibiúna e outros municípios.

Durante esse percurso, quais foram os principais estudos realizados que a ajudaram a continuar na luta pela inclusão?

Fiz centenas de cursos relacionados à Educação, tendo como principais: Pós Graduação em Educação Especial (2001);  em Ética, Valores e Cidadania na Escola (USP, 2013); Emprego Apoiado a Inserção de Pessoas com Deficiência (Instituto de Tecnologia Social, ITS, Brasil, (2013) ; Mestrado em Educação (PUC, 2005) e Curso de Fundamentos em Educação Integral ( FAPES, 2017).

E hoje, com está sua atuação na área? Qual sua concepção de Escola Comum e Escola Especial?

Hoje continuo tendo contato e apoiando pessoas, instituições e estudos que privilegiam a mudança de valores e práticas da escola, transformando – a num encontro sem hierarquizações e categorias.Defendo uma escola inclusiva e democrática, aberta a todos sem exceção, que evidencia a diferença de todos e não só de alguns “diferentes”. Não considero que para a Educação exista dois tipos de Escola: a Comum e a Especial.  Baseada na Constituição, a Educação de TODOS só deve acontecer na Escola Comum. A Educação Especial, considerada uma modalidade (como é a educação indígena e outras),  faz parte da Escola Comum, é  integrada no Projeto Político Pedagógico da Escola e se faz presente através do AEE (Atendimento Educacional Especializado) que é suplemento e nunca substituição da Escola Comum, efetuado no contra turno. O AEE trabalha identificando as barreiras que impedem o aluno de ter acesso à Escola Comum e oferece recursos para transpô-las. Portanto, esse Direito, previsto na Constituição Federal não se escolhe, se assegura.

Você conhece algumas escolas que respeitam esse princípio de inclusão?

Muitas, espalhadas por todo o Brasil. Entre essas muitas, vou citar uma aqui no município de Ibiúna, (provavelmente há outras, procurando esse caminho) que há alguns anos empreende uma abordagem de práticas pedagógicas inovadoras, em consonância com o desenvolvimento integral dos educandos e implementação de processos de gestão participativos e democráticos. Nessa escola a diferença nunca é classificada em mais grave ou menos grave; de uns e de outros; a diferença é simplesmente de todos, multiplicando-se e diferenciando-se sem cessar. É a Escola Municipal “Antonio Coelho Ramalho”, dirigida por Mila Zeiger, profa. já citada nesse contexto.

Ibiúna cresceu em todos os aspectos, mas na Educação posso afirmar que teve um grande salto e tem condições de avançar muito mais.

A dedicação de tantos anos de trabalho não prejudicou os laços familiares?

Conciliar trabalho e família nunca foi fácil; muitas vezes deixei de dar atenção aos entes queridos, mas fui compreendida por isso. Sempre tive muito apoio, e nos últimos anos meu esposo, aposentado, me acompanhava aos lugares onde eu era solicitada.  

O que tem pensado dos tempos atuais?

A pandemia e alguns problemas de saúde me obrigaram a dar um tempo; afastei-me de encontros presenciais e pude fazer boas reflexões. No fim de 2019, ainda na correria para dar conta dos compromissos, perguntava: “quando esse mundo vai parar”? “quando eu vou parar”? E o mundo parou. Ficamos isolados cada um em sua casa, mas nesse momento nos demos conta que somos uma só humanidade. A pandemia escancarou a nossa vulnerabilidade como sociedade.

Por outro lado, nos proporcionou melhores condições de colaborar na solução dos problemas, de transformar as estruturas responsáveis pelas desigualdades, porque a própria situação nos obrigou a refletir, a reinventar nossos relacionamentos por meio das tecnologias, a nos solidarizar com tantas pessoas desconhecidas que perderam entes queridos, para ajudar, mesmo de longe os que estão em maiores dificuldades que nós. Aprendemos muito, com certeza, e sairemos dessa com outra visão de mundo.

Manifesto de gratidão:

Nesse momento tenho muito que agradecer:

A Deus, pela oportunidade da vida e convivência com tantas pessoas que ajudaram a construir minha identidade. À Ibiúna, por ter me recebido, abrindo as portas para o trabalho que sempre amei, impelindo-me à procura de novas crenças e concepções de educação e de vida; por ter me conferido o Título de Cidadão Ibiunense em 14 de setembro de 2011, e pelos 37 anos de convivência.

Aos meus filhos, noras, genro e netos, que são o meu tesouro, abençoados nos seus lares e nas suas profissões, cada qual seguindo sua trajetória com responsabilidade e amor.

Ao meu querido esposo, Gerson, companheiro de todas as horas que, com a vivência de homem simples e sábio, encorajou-me a não desistir da esperança de uma educação para TODOS, proporcionou-me um amor incondicional e uma família maravilhosa e fez-me procurar ser melhor a cada dia.  

Ninguém faz nada sozinho. Fui muito feliz em todos os lugares que estive trabalhando e vivendo; encontrei pessoas que me apoiaram e colaboraram para muitas realizações na minha trajetória. Portanto, essas realizações não são só minhas; são de todos que participaram desse curso de vida. Em relação à continuidade do meu trabalho em educação, tenho certeza que o legado que estou deixando, já está atualmente sendo absorvido e disponibilizado por muitas pessoas que me acompanharam em algum momento e ressignificaram suas práticas.  Parafraseando Drummond, “…as coisas findas muito mais que lindas, elas ficarão”.

A todos os parceiros de minha vida pessoal e profissional, fica registrada a minha gratidão pelo compartilhamento e aprendizagem ao longo da vida.

Também agradeço ao sr. Carlos Rossini pela oportunidade de compartilhar essas memórias com os leitores dessa revista. Muito obrigada.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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