NOVA REALIDADE – VOCÊ PODE ESTAR SOFRENDO DE NOMOFOBIA E NEM SABE

A tecnologia da informação [Internet e seus incríveis desdobramentos que não param de se expandir em múltiplas direções] criou facilidades jamais vistas pela humanidade e, paradoxalmente, nunca as pessoas estiveram tão distantes entre si e cada vez mais superficiais em suas inter-relações mediatizadas e menos presenciais.

Antes de seguir adiante, você sabe o que é nomofobia? É o medo irracional de estar sem o aparelho celular, de modo que sintomas físicos e psicológicos apareçam e tirem o indivíduo de seu estado normal com a ausência de seu vício.

Na condição de instrumentos, os próprios meios se tornaram soberanos no cotejo homem x máquina e parece que a máquina inteligente poderá nos superar porque não estão sujeitas a viroses como a covid-19 , à obrigação de serem e agirem como seres humanos, pois não são, assim como terem sentimentos, que não têm.

A outra vantagem da máquina é que tem sua memória programada para determinadas funções e jamais serão punidas por não cumpri-las, pois bastará que a falha seja descoberta e a peça ‘pecadora’ será simplesmente substituída, não muito diferente com o que vem acontecendo há séculos, com a substituição do homem por outro homem ou o seu puro e simples ‘cancelamento’ [profissões que morreram ou estão a caminho da morte], já que há demasiadas sobras para sua substituição de peças de reposição humanas.

Se havia alguma consideração, porque as empresas no fundo precisavam manter nos postos os produtores que dominavam as técnicas requeridas para manufatura de uma infinidade de objetos, isso já não é mais assim necessariamente, exceto em casos isolados onde ainda resta um resíduo de compaixão humana. Há casos em que as pessoas se afeiçoam umas às outras e adquirem um respeito mútuo num estado de conservação recíproca.

Veja um dos maiores impérios do setor da comunicação mundial, a Rede Globo de Televisão. Durante décadas lidava com uma consideração reconhecida por um vasto número de funcionários que sempre se sentiam amparados pela empresa, sobretudo quando atingidos por uma doença, podiam contar com uma assistência médico-hospitalar satisfatória, sem se preocupar com cifras, até então bancadas nesse clima simplesmente em relação àquilo que alguns denominam friamente de ‘capital humano’.

Pegamos a Globo como exemplar por causa da magnitude de sua influência sobre a opinião pública brasileira, por meio de seus jornais, novelas, entretenimentos, esportes e programas dentro da rubrica ‘fantástico’. Poucas pessoas conseguem imaginar, sem ter acesso ao interior de seus cenários, o envolvente poder do vínculo que estabeleceu ao longo do tempo com os mais variados personagens da vida real.

Pois bem. Os tempos mudaram e por um dos segredos do capitalismo, ter lucros crescentes e contínuos, acabou recebendo um pitaco gigantesco, foi atingida na medula. Não mais do que de repente, as regras do jogo mudaram de modo definitivo, em consequência, uma quantidade enorme de talentos artísticos consagrados, com sua magia, e técnicos substituíveis, levaram um pontapé na bunda, alguns, como se noticiou, de modo humilhante. Às vezes, nessas horas em que Vênus se sente afastada do Olimpo, podem acontecer coisas vergonhosas. Mas isso não é privilégio da Globo, e sim do sistema capitalista que a partir de agora fará um esforço supremo para se adequar ao processo de mudanças rápidas, vastas e impiedosas. Sobreviverá o mais forte ou o mais astuto?

Antes de avançar no tema, para ficar mais leve e poder flutuar conforme as marés, está pondo à venda seus imóveis, livrando-se das tribulações dos encargos da propriedade. Isso soa estranho, mas os magos que assinam as mudanças estão apostando dessa forma no futuro nem tão distante.

Por trás desses acontecimentos, não é difícil visualizar a paternidade das grandes mudanças em curso que atinge também grandes e tradicionais órgãos de imprensa, outras emissoras de televisão e de rádio. É impressionantemente visível o processo de esvaziamento de conteúdo talvez decorrente do pasmo causado pelo novo motor que move a história atual. Imaginar um jornal como O Estado de S. Paulo se despir de sua secular forma de jornalão com centenas de páginas aos domingos, se resumir um formato tabloide com apenas dezenas de páginas e pouquíssimo anúncios.

A comunicação está vivendo um processo de atomização delirante, talvez por causa das relações virtuais às quais estamos submetidos. Impressionante o que se pode fazer com um celular dotado de recursos que combinam diversidade com velocidade ou as variedades ofertadas pelo Instagram em muitas modalidades para alcançar os consumidores, seja lá de que produto for, o que inclui até mesmo o chamamento de uma tribo para participar de uma festa noturna, regada à ideia de experiências de liberdade.

Mas é inevitável perceber que há um número cada vez maior de pessoas fazendo exatamente a mesma coisa, com replicações de comportamentos despojados de conteúdos que configuram, identificam e distinguem uma pessoa da outra. O mesmo acontece no mundo da política: todos com a marca do DNA na veia estão fazendo postagens dentro do mesmo paradigma, não raro respeitando os limites da mediocridade que pressupõe, com o objetivo de atingir eficazmente seus públicos-alvo.

Estamos no meio de uma guerra da informação, numa estrondosa busca por aparecer, com mais ou menos filtros capazes de enganar apenas os incautos, porque é possível ver que o que se vê não faz parte da realidade e sim de uma hiper-realidade, que nos reflete quando olhamos o espelho logo depois que acordamos. A guerrilha para obter likes é cada vez mais catastrofizante e incapaz de preencher o vazio que sentimos, uns mais outros menos, quando nos sentimos solitários em nossa casa ou mesmo quando cumprimos a rotina diária de trabalho e vislumbramos um intervalo que deixa entrever o quanto estamos sendo enganados.

Mas, até para isso a tecnologia deu um jeito. Temos telemedicina, reuniões remotas, sexo virtual e um imenso repertório à nossa disposição, ainda que não estejamos dispostos a fazer esse jogo em prejuízo daquilo que de mais precioso possuímos: nossa rara vida. Em suma, e com todo o respeito, talvez apenas os cínicos se salvem. Talvez, não. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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