ENSAIO – MUITO ALÉM DO PRÓPRIO UMBIGO
O crescimento humano se dá de dentro para fora. É como uma flor, que primeiro é botão, para, aos poucos, ir desabrochando até atingir sua plena realização. Ao nascer, primeiro gritamos e abrimos os olhos. “Ei, estou aqui, acabo de chegar!” É como se disséssemos isso.
É natural, portanto, que primeiro somos centrados em nós mesmos e nossa realização se dê num processo de maturidade da nossa abertura para o mundo, para o outro, com o qual estabelecemos relações com os mais diversos conteúdos. Não será exagero dizer que transitamos de um egoísmo primitivo para um altruísmo indispensável para vivermos em comunidade.
Quem assistiu o encantador filme “Lazaro Felice” pôde testemunhar como o mundo pode ser perverso em relação a alguém dotado de uma bondade original. O mundo parece ser mal em relação às pessoas boas.
Essa perspectiva nos situa diante de um dilema: será que vale a pena ser bom num mundo hostil, hipócrita, capaz de nos destruir se desejamos ter uma vida autêntica a ponto de simplesmente não enxergar a maldade?
E a resposta, na maioria das vezes, é construirmos uma couraça de proteção que, se impede que sejamos atingidos cruelmente em nossa essência, igualmente bloqueia e distorce nossas relações com os outros.
A pessoa que diz a verdade no fundo é um sincericida, porque na maior parte do tempo estamos lidando com personagens que ocultam de nós suas intenções, empregando uma pletora de disfarces exatamente para nos enganar.
Um colega, um namorado, um amigo, um parente, um vizinho que abria sorrisos para nós, sempre que nos encontrávamos, de repente fecha a cara, olha para o outro lado quando cruza com nosso caminho, por razões que nem sempre compreendemos bem.
Somos todos reféns do medo de que poderemos a qualquer momento sofrer ameaças ou mesmo ser alvo de rejeição, desprezo e de sentimentos de baixa estima, se somos deixados de lado, demitidos do nosso emprego, ou quando nos sentimos traídos por alguém pelo qual nutríamos importantes afetos e expectativas benevolentes.
O teatro, o cinema, a novela exibem uma infinidade de problemas dessa natureza refletindo a ideia de que a arte imita a vida, mas é vida cotidiana que fala mais alto porque se refere a dores reais, e não frutos da ficção artística.
Acabo de conhecer uma mulher que se tornou artesã cujas peças vende como água pela sua desenvoltura de se dirigir completamente ao outro [seus clientes potenciais] e, acreditem, é uma excelente vendedora. Confidenciou-me que se tornou artesã para enfrentar a depressão.
E se me permitem dizer a depressão é uma das muitas vertentes da nossa incapacidade de amadurecer, de transcender o estágio arcaico do egoísmo primário para a prática verdadeira do altruísmo. Quando estamos voltados para fora e esquecemos de nós mesmos, somos momentaneamente afortunados, por ver ou ouvir para compreender o outro.
Em suma, ensinam os grandes sábios, as pessoas só encontram a autorrealização, e a paz interior, quando se voltam para fora, para os outros seres humanos, com amor e compaixão.
Quando vejo minhas queridas caliandras se abrirem ao Sol, sinto-as como se estivessem no máximo esplendor da existência, muitas vezes fugazes, porque se chove essas delicadas florezinhas, rodeadas por abelhas e borboletas, se fecham numa aparente tristeza. Mas como é lindo constatar que continuam a se renovar e se abrirem ao Sol no esplendor de cada manhã.
Acho que elas nos ensinam que precisamos enxergar além dos nossos próprios umbigos porque ninguém é uma ilha, como disse o poeta. É indo em direção ao outro que confirmamos nossa existência. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)