É ISSO

Tenho ainda mal resolvida uma implicância com as postagens que verifico no stories do Facebook. Elas são tão rápidas e passageiras quanto superficiais. Indago-me: por que razão as pessoas exibem suas imagens e utilizam filtros para parecerem o que não são na realidade? Observo esse fenômeno como um dos novos e surpreendentes adventos humanos proporcionados pela internet.

De fato, gostaria de fazer um estudo para compreender a essência causal dessa forma de comunicação tão intrigante. Algumas postagens feitas a partir de aplicativos demonstram que as pessoas desenvolveram habilidades surpreendentes no uso dessa mídia sem dúvida democrática, pois está disponível a qualquer pessoa que se interesse em buscar os seus “15 minutos de fama”, na realidade em pouco segundos de cada vez.

Há frequentadores tão habituais do story que se nos descuidarmos podemos, sem perceber, considerar as figuras representadas como nossos velhos conhecidos, assim como no caso de grandes artistas do cinema e das novelas. Mas isso é só uma ilusão. São imagens deslocadas de seus personagens reais de carne e osso.

Bem, de forma mais descontraída, podemos considerar que o story acabou se tornando uma brincadeira que pode ser divertida, pois há momentos em que nos provocam risos, outros em que frases ou pensamentos buscam atingir as profundezas dos nossos sentimentos desejosos de sabedoria.

Um hábil usuário do story viajou para um país europeu onde morou por alguns meses. Diariamente postava diversas histórias dos locais em que se encontrava, exibindo prédios históricos, praias vistas a distância, jardins, praças e ruas limpas e bem conservadas. Era tão íntimo de seus espectadores que se referia a eles como “galera”. Começava assim: “Oi galera!” e mostrava si mesmo e a paisagens vista no momento.

O story, assim como outros espaços nesse âmbito, vieram para ficar e, um dia, poderão fazer parte da história examinada da civilização, depois de um longo tempo dominado pelos meios tradicionais como jornais, revistas, televisão, rádio, telefone. A propósito muitas pessoas cancelaram o uso de telefones fixos em suas residências, já a caminho do museu da história das relações humanas mediatizadas.

Escrevo isso para compartilhar um acontecimento que me chamou a atenção exatamente devido à brevíssima mensagem que postei no story, apenas texto, com duas palavras, um verbo anômalo e um pronome demonstrativo. Escrevi apenas:

“É isso.”

Quando vi depois de algumas horas as visualizações já passavam de centenas. Como assim? Que história é essa? O que eu disse de tão importante que pudesse mobilizar a atenção de tantas pessoas?

“É” corresponde a terceira pessoa singular do verbo ser. Refere-se a ele/ela/você. “Isso” é um pronome demonstrativo que situa alguma coisa no tempo, no espaço e no discurso. Então eis um fato: como posso dizer “isso” sem revelar o objeto representado?

Talvez tenha tido uma inspiração intuitiva ao escrever e postar “É isso”. O que é é e o que é isso? O que o autor quis significar? Ele pretendia dizer alguma coisa e não disse? Deixou a frase no ar a provocar a imaginação e a subjetividade? Parece que houve um efeito inesperado puxado das camadas mais profundas da curiosidade humana. Afinal “o que é isso?”

Cada pessoa provavelmente se perguntou: “mas o que é isso”? E isso pode ser tudo e nada ao mesmo tempo. Pode ser tudo que evoca o nosso existir no mundo que nos desafia a decifrá-lo, como o enigma da pirâmide.

A propósito há frases de grande efeito, quando ouvimos, por exemplo: “Isso é tudo”, e nada mais há, mas por que não deveria haver mais se é exatamente isso que procuro o tempo todo, mesmo sem ter consciência disso, me localizar no mundo dos “issos” e “aquilos”. Afinal, queremos saber coisas que ignoramos ou desconhecemos.

Enfim, peço permissão para dizer que todos somos atores e atrizes sociais, nas mais diferentes idades e estações de nossas vidas, com sérias dúvidas sobre os diversos papeis que desempenhamos ao longo de nossas existências.

Por essa razão, acredito que a brevíssima frase, composta por duas palavrinhas, tenha despertado interesse em tantas pessoas, mas talvez haja outra forma de avaliar o mesmo fenômeno. O que acham disso? (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Nota: Traduzido como histórias, o stories (no singular, story) do Facebook/Instagram é um recurso que tem como objetivo melhorar a interação entre os usuários. Fotos, textos, desenhos ou vídeos são exibidos como um slideshow ou vídeos curtos.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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