SE NÃO EXISTISSE DEUS, A VIDA DO DIABO SERIA UM INFERNO

Depressão crônica, fastio, crise de identidade, tédio, sensação de vazio, falta de criatividade, baixa autoestima, complexo de inferioridade, solidão cósmica… É plausível imaginar que esse complexo de emoções infernizariam a vida do diabo, dia e noite, se não existisse deus. Joguemos de cara um exemplo pesado: imagine um lutador da UFC no octógono em estado de fúria assassina, querendo destruir o adversário não importa se por um certeiro chute no queixo, um mortal estrangulamento ou um soco como a patada de um cavalo, mas e se ele estiver sozinho diante de ninguém, o que poderá fazer, bater em si mesmo? Assim é o caso do diabo. Sem deus ele está sozinho e não tem como manter seu desejo de alimentar seu poder.

Que cena triste! No alto de uma montanha no árido deserto, uma pobre figura, com dois chifres na cabeça, significando ser portador do mal [maus pensamentos], chorando porque não tem com quem brigar ou ofender ou descarregar sua biliosidade. “Pobre de mim que tentei, por quarenta dias, testar o filho Dele, e nada consegui.” Mas, sua situação é mais cruel: não tem a quem dirigir suas lamentações, não há ouvidos, só o nada. Um ódio demoníaco avassalador o domina, começa a gritar a plenos pulmões maledicências, mas se percebe sozinho, nem um meteoro cai por perto como ilusão de uma resposta.

Sem a indústria farmacêutica, não pode contar com calmantes, relaxantes, soníferos. Percebe que só tem a si mesmo e não sabe o que é, o que só poderia acontecer se deus aparecesse e conversasse com ele: “Calma, diabo, você existe, sim, vê se para de quebrar o mundo que criei.” E decide: “Vou mesmo arrumar uma instituição, talvez um Caps, para você se tratar desse espírito possesso que tanto mal faz a si mesmo. E não se esqueça de fazer a sua contribuição para a igreja…” Mas, não, deus não está ali é apenas a projeção de um forte desejo do tinhoso se movimentando como um esquizofrênico de um lado a outro.

Sinceramente o quadro é contristador, dá dó de ver esse personagem tão maldito ao longo do tempo e que já foi um anjo, da melhor qualidade angélica e desfrutador de grande prestígio, até que, não se sabe ao certo, teria enfrentado o poder maior e caído em desgraça e lançado para fora do infinito palácio celestial. A pergunta cabe: e se ele quiser se reconciliar com o senhor, pedir desculpa ou mesmo perdão por ter agido sem a intenção de magoar, etc.? Por que não mereceria uma segunda chance ou será que seu papel é também necessário para deus em seu contínuo zelo para realizar mudanças no cosmos que vive perturbando com sua mania de brincar com o caos no jardim do paraiso?

Não sei não, mas começo a desconfiar que essa história tem tudo a ver com o que acontece com os seres humanos, em nossos céus e infernos pessoais, com as nuvens de pensamentos que flutuam, surgem e desaparecem em nossas mentes, sem que o percebamos suas origens. Não agimos às vezes como anjos e outras como demônios, não amamos e odiamos? Como mesmo essa história começou, já não me lembro. (C.R.)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.