OPINIÃO – OS MEDOS IMPOSTOS AO POVO PELAS AUTORIDADES TÊM QUE ACABAR
Há uma patologia psicossocial nas relações entre a sociedade civil e os poderes constituídos, que empalidece a democracia no Brasil. Um exemplo sumário foi a decisão da presidente Dilma Rousseff, aconselhada, a optar por fazer seu discurso do Dia do Trabalho por meio das redes sociais e não pela TV aberta. Logo em seguida, o discurso de Lula contra o projeto da terceirização ensejou o panelaço contra ele e seu famigerado partido, o PT.
Um por querer aplauso ou aprovação e pelo desejo de obter obediência pela força da persuasão e, outro, por não ter armas com que se defender, senão por meio de manifestações públicas refletem a existência de medo, desconfiança e descrédito que intermedeiam as relações informais entre si. Em suma, Dilma não cumpriu o que prometeu e o povo não gostou e esse desagrado tem que encontrar uma válvula, um caminho de expressão.
O Congresso Nacional se tornou – ou sempre terá sido, mas de maneira menos publicitária – o centro para onde convergem ou de onde partem atos imorais e aéticos: anões, mensalões, Petrobrás-Lava Jato, etc. Nesse contexto não há lugar para remansos, mas para turbulências que parecem não ter fim. A vergonha da corrupção é nacional, enquanto a população amarga um desfilar de incompetências ou mesmo má-fé de poderosos engastados nos Poderes Executivo e Legislativo.
A Justiça reflete o status quo de uma realidade cruel e glacial. Também aí o medo difuso faz o meio de campo apavorante entre a sociedade civil e os atos decisórios muitas vezes injustos, sob o pretexto de que cabe a aplicação pura e simples das leis, mas, se sabe muito bem, que estão sujeitas a imprevisíveis opções interpretativas.
Nesse contexto, é fácil perceber que a população ainda se sujeita de uma das mais primitivas teorias econômicas que estabeleceu a ideologia da escassez, fator básico da existência da miséria e da concentração de rendas nas mãos de pouquíssimos bafejados pela “sorte”. É no Brasil da escassez para a maioria que vivemos: sem saúde, sem emprego, sem transporte digno, sem educação, sem esperança, sem segurança, mas obrando milagres inacabados de obras magníficas para um campeonato mundial de futebol e, agora, para as olimpíadas. Quantos assaltos haverá no Rio de Janeiro no período desses jogos de larga tradição? Quantos turistas incautos serão alvo de furto, roubo, latrocínio e de psicopatas estupradores? As lideranças do tráfico darão que tipo de ordem aos seus integrantes? E a polícia como se comportará. O cenário, mais uma vez, será de medo, não nos enganemos.
A grande mídia, especialmente a TV, que tem grandes interesses comerciais na parada e procurará exaltar os méritos inegáveis das atividades esportivas celebradas entre os povos. Somente pelo setor de jornalismo verá, diante dos fatos, que a realidade é bem diferente do que tentam aparentar. Mas, óbvio, não se pode atribuir culpa pelos fatos à TV.
Em suma, o Brasil deveria criar um grande projeto cujo objetivo central seriam ações concretas visando remover os motivos reais pelos quais o povo tem medo, medo de sair às ruas, de ir e vir, que a Constituição não garante de fato. O medo do povo tem que acabar. Essa sensação essencial que paralisa e embota a mente precisa ser dissipada, banida mesmo do território nacional. É muito provável que alguém dirá que isso é uma utopia – e é mesmo e, por isso, precisa ser enfrentada – e vai durar um tempo desconhecido no presente – para que haja redesenho completo tanto da ética quanto da moral, valores trocados por dinheiro por parte de uma legião de pessoas insensatas e imorais.
O medo que a presidente tem do povo é da mesma natureza do medo que o povo tem do seu governo, ou dos governantes de modo geral, pelo sofrimento ignóbil e diário que experimenta e é jogado de um lado para outro como uma rolha no oceano. O melhor antídoto contra o medo é o diálogo franco, aberto, verdadeiro que, lamentamos dizer, aparentemente está fora das agendas palacianas sinceras.
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Carlos Rossini, jornalista e sociólogo, é
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