BRASIL – PAÍS OFICIAL APAGA SUBSTANTIVO “VERGONHA” DO DICIONÁRIO PRÁTICO
Neste exato momento – hoje é dia 24 – há bloqueios de caminhoneiros em várias regiões do país, em protesto contra o aumento dos combustíveis e dos pedágios que, obviamente, aumentam os custos dos fretes e diminuem a renda do transportador e, na lógica da economia, encarecem os preços dos produtos. Leite, carne, peças para produção automobilística, produtos agrícolas e muitos outros itens estão parados nas rodovias, alguns se deteriorando.
Em Brasília, o governo reúne autoridades graduadas para encontrar uma solução para o grave impasse. Este é apenas um dos diversos temas que estão contribuindo para apagar de vez o substantivo “vergonha” do dicionário moral, numa obra produzida por mãos impessoais de uma trama que envolve altos executivos governamentais, parlamentares do Congresso Nacional e empresários inescrupulosos, como se verifica no igualmente vergonhoso escândalo da Petrobrás.
Mas reunamos alguns dados específicos para fazer um balanço simples e superficial das causas que nos tornam todos reféns de um poder desalmado e corrosivo. Os gastos com parlamentares do Congresso Nacional, nos últimos quatro anos, alcançou cifra superior a R$ 700 milhões. Esse montante refere-se a gastos, sem licitação, para cobrir despesas pessoais dos parlamentares e, daria, por exemplo para construir 40 hospitais ou 11 mil casas populares.
O doleiro da Operação Lava Jato (Petrobrás), Alberto Youssef, disse que o senador Fernando Collor recebeu propina de R$ 3 milhões da BR Distribuidora, que Collor desmente. Ruim, não é mesmo?
A inflação oficial atinge 7,6% nos últimos doze meses e é o maior nível dos últimos quatro anos.
O Governo Federal, sob orientação do ministro da Casa Civil, Aloísio Mercadante, indica cargos para seu aliados do PMDB, com o objetivo de obter apoio para aprovação do ajuste fiscal que prevê mudanças nas leis trabalhistas e previdenciárias e adivinha nas costas de quem recairá o sacrifício, porque o governo está cortando despesas e tem a vantagem de ter prerrogativas legais para fazer o que bem entende. Por isso oferece brindes ao parceiros políticos.
Aloísio Mercadante foi meu professor de economia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e seu discurso era obviamente de esquerda e crítico do status quo da época. Parecia a nós, seus alunos, que era um cara preparado para agir de forma humanística e favorável ao povaréu desse imenso Brasil. Hoje se tornou um instrumento do poder, como parece ser o destino da maioria dos “incendiários que se transformam em bombeiros”, como se dizia em nosso tempo estudantil.
Verecundia
O substantivo feminino vergonha tem origem latina em verecundia e é coroado de sentimentos de natureza moral. Pode ser virtude ou representar timidez, o que não nos interessa neste momento. No caso em tela em que está no centro o mapa o Brasil político-administrativo tem a a conotação negativa de sentimento ruim de desagrado, de desgosto, de desrespeito. Na versão positiva, poderia representar uma orientação moral e ética no sentido de proceder de modo correto para não sentir vexame ou vergonha da opinião pública que reprova bandalheiras tão descaradas. E, nesse sentido, um bom político não pode sentir vergonha, o que torna o cenário geral muito desconfortável, no que diz respeito a nossa necessidade de sentir esperança.
Os ensacamentos privados de dinheiro do povo é tão imoral quanto vergonhoso, mas apenas para quem sente vergonha, isto devido ao reconhecimento de ter cometido uma falta ultrajante. É curioso! Usando a liberdade poética, a raiz da palavra latina vere tanto nos remete ao medo, à insegurança, quanto à ideia da verdade. E a verdade parece estar cada vez mais longe do Brasil real, porque perderam, sobretudo os poderosos, o sentimento de vergonha. Nesse esfera, quem não objetiva rechear os próprios bolsos e abrir contas em paraísos fiscais ou na Suíça é malvisto, boboca, ou, pior ainda, uma figura honesta, em quem não se pode confiar – segundo o ponto de vista dos imorais ou desvergonhados. (C.R.)