“ESPELHO, ESPELHO MEU, EXISTE ALGUÉM MAIS ESTRANHO/A DO QUE EU?”
Olhe-se no espelho. Essa pessoa que você vê refletida na sua frente em uma superfície plana brilhante é a única que lhe acompanhará até o fim da vida. Mas imaginar que você passe pela terra mal tendo se conhecido e como se não tivesse vivido uma vida verdadeira não é estranho? Todos estamos sujeitos – e a maioria sucumbe ao cântico das sereias – a vivermos perdidos [de nós mesmos], no meio das coisas que nos cercam.
Para entender o que isso significa, voltemos na história, muito tempo atrás, na Grécia. Na entrada de um templo de Delfos [é um lugar sagrado, onde se ouviam prognósticos e sabedorias do viver] havia uma inscrição que dizia “Conheça-te a ti mesmo”. Esta frase teria impressionado tanto Sócrates, que teria feito dela o eixo de sua filosofia, ele que é considerado o pai da filosofia ocidental.
Dito de modo simples, só posso me relacionar bem com os outros e com o mundo se me conhecer, se saber quem sou e o que pretendo na vida, tornando-me, assim, uma pessoa melhor, por meio de minhas ações e atitudes. O filósofo concebia a vida como uma “obra de arte” em que vamos nos moldando no decorrer da existência.
Veja que bonito: você se conhece de fato quando se torna ser do sujeito, isto é, quando se torna, enfim, você mesmo, porque, até então, não terá passado de imitar aquilo que você viu ou vê no comportamento dos outros. É, na verdade, a mais sublime das liberdades: ser você mesmo até na vivência da própria morte, inescapável.
Segundo a evolução do tempo, a lição socrática nos ensina que devemos ocupar-nos menos com as coisas, como a busca da riqueza, da fama e do poder, e passar a nos ocupar de nós mesmos, o que poderá ser entendido como um caminho sábio para a felicidade possível como terráqueos.
Antes de Sócrates, os chamados filósofos pré-socráticos se ocupavam a dar explicações para as coisas, essencialmente tudo que é visível, ocupa uma forma no espaço, pode ser tocado, enfim, material; com Sócrates o foco muda para cuidar da trajetória humana liberta do caos das coisas mundanas. Isso deve orientar nossa busca da verdade por meio da obtenção de conhecimentos, principalmente sobre nós mesmos.
No conto da Branca de Neve e os Sete Anões, a bruxa, simbolizando a força do mal se perguntou: “Espelho, espelho, meu, haverá alguém mais bela do que eu?” “Sim, respondeu, o espelho [como se fosse possível o espelho responder], a Branca de Neve [símbolo da beleza, da pureza e do bem. A resposta do espelho caiu como um raio na cabeça da bruxa que…bem o resto da história todos já conhecem.
Há outro fato a ser considerado. É que além daquilo que podemos ver no espelho, mesmo de forma superficial, só pode mostrar um aspecto do nosso ser, o que se pode chamar de visível. Mas, há outro, mais escondido dentro de nós, que não conseguimos enxergar porque está bem oculto nas sombras do nosso inconsciente. E lidar com isso é um dos maiores desafios das pessoas. Como podemos saber quem somos? Como, assim, poderemos descobrir e nos aperfeiçoar como uma “obra de arte” que vamos construindo no dia a dia?
Sócrates era considerado um iconoclasta [aquele que ataca crenças estabelecidas ou é contra qualquer tradição] em Atenas. Os poderosos da cidade o acusaram de desprezar as normas sociais, de “corromper” os jovens com ensinamentos que os tornavam livres das ordens estabelecidas. E, por isso, ele foi condenado à morte por envenenamento com cicuta.
Então, parece que estamos diante de um assunto muito assustador, não é mesmo? Conhecer a si mesmo nos custa assumir a responsabilidade por nós mesmos e muito poucos, aparentemente, têm consciência de que esse é o processo que nos leva para a maturidade. Na França, outro filósofo, Jean Paul Sartre, afirmou: “Estamos todos condenados à liberdade.” E é exatamente isso que nos dá medo. Como deixar de ter uma vida dependente [das coisas, dos outros, do dinheiro] para ser livre?
Se você considera essa papo cabeça demais, perda de tempo, esqueça. Mas aprenda a brincar com o espelho todas as manhãs. Olhe para seu rosto e dê uma bela gargalhada, gostando do que vê, seja lá o que isso possa significar para você. Um monge vietnamita que vive em Paris, com muitos seguidores, garante que isso é uma das belas e saudáveis maneiras de começar o dia. (C.R.)