ENSAIO DOMINICAL – UMA GRANDE LIÇÃO DE VIDA, NA IMAGEM DE UMA MULHER
Essa foto me cativou assim que a vi. É daquelas que exibem a realidade nua e crua da vida como ela é, sem disfarces. A anciã curvada sob o feixe de lenhas preso às costas, com um cajado usado como apoio por sua mão esquerda, a direita segurando e mantendo o equilíbrio do peso.
A senhora vem da floresta e, aparentemente, cumpre uma rotina para suprir sua cozinha de calor para cozer os alimentos, preparar o chá e manter-se viva si própria e seus familiares. Mulher convicta do que faz, sem nada a atrapalhar sua mente, determinada a cumprir uma tarefa que a une à Natureza que tudo compõe com os mesmos segredos invioláveis.
Veja seus chinelos, o pé esquerdo levemente voltado para a direita, o corpo desgastado pelo inexorável tempo do qual ninguém escapa, até que seja devolvido aos minerais dos quais foi composto pelo milagre do amor entre dois seres eles próprios lançados à vida sem saber como e nem porquê.
Botijão de gás, prateleiras de supermercados, tudo ao alcance das mãos pelas facilidades do comércio, nem pensar. Tudo muito simples, despojado, solitário, como os voos dos pássaros que atravessam o ar rápidos como os pensamentos de cuja maioria nem nos damos conta.
A cena aparenta uma situação embrutecida, talvez. Lembra o fardo da existência, a cruz cristã, o mosaico fantástico que desaparece em meio aos fenômenos que nos fizeram afastar da Natureza e de cada um de nós mesmos, instaurando uma estranheza depressiva e povoando nossas mentes de dúvidas, medo, insegurança e sobretudo incertezas.
Mas não, supostamente, para essa anciã que carrega o feixe de lenha e se dobra ao seu peso. Sim. Ela faz isso talvez todos os dias, sobe e desce, vai e volta e sente o alívio ao chegar em casa despojar-se da carga, pondo-a em algum canto próximo da cozinha, o lugar em que as mulheres se ocupam alimentando a humanidade desde sempre.
Coincidentemente, aqui em Ibiúna, e não apenas em uma provável vila japonesa, há uma mulher que cumpre o mesmo ritual, usa um par de chinelos gastos tipo havaiana, sai de sua casa, entra no mato, e volta com a lenha para fazer comida. Eu a vejo frequentemente nessa tarefa e sinto que estamos distantes no tempo e fico imaginando como pensa, sente e age infinitamente fora da nova era do facebook, do wattsapp e da comunicação instantânea e de facilidades daqueles que estão incluídos na voragem consumista que nos torna ainda mais hipnotizados pelos objetos e, talvez, insensíveis aos fenômenos simples que ocorrem diante dos nossos olhos. (C.R.)