IBIÚNA – HOMEM CAMINHA NA ESTRADA DA CACHOEIRA COM UM CAJADO SAGRADO

Na verdade, parei várias vezes para ouvir o homem. Em todas as vezes ouvi alguma pérola de sabedoria de quem aprendeu que o melhor da existência é viver com simplicidade e ter na fé uma referência sublime para todas as horas, boas ou adversas.
Seus passos parecem exprimir uma serenidade própria de quem ultrapassou a percepção linear e comum das coisas mundanas. Sinto que terá feito uma leitura prática e objetiva e alcançado um estágio espiritual por meio do qual superou as ilusões mundanas que envolvem dinheiro e objetos que muitos atribuem um valor determinante, mas que acabam, mais dia, menos dia, por não ter valor real duradouro.
Esse homem frequentou intensamente a vida social em que o status e o prestígio se mostram efêmeros. Os homens buscam o poder, alguns ao preço de vender a própria alma, que acaba se perdendo e jamais encontra o caminho de volta.
Viveu entre astros e estrelas do mundo dos negócios, viu que a riqueza pode se dissolver como um castelo de areia tocado pelas águas que se espalham sobre a praia, que seus protagonistas adoecem, morrem, e simplesmente saem de cena. As amizades e os colegas dos bons tempos desaparecem e se estabelece um vácuo nas relações por ausência de personagens.
Percebi que acredita em Deus com o qual mantém conversas, às vezes, por meio de um eloquente silêncio, por que, como apregoam sábios de todas as religiões, essa é a linguagem do Oculto para com suas criaturas.
Soube, por terceiros, que esse Homem do Cajado, por sua simpatia radiante, mereceu o carinho de muitos, por ser amigo presente e leal, que ajudou a muitas pessoas, como o seu pai, que foi uma espécie de cura no bairro onde morava. Fazia xarope contra tosse, pomadas milagrosas, aplicava ventosa, arrancava berne de pessoas, pincelava gargantas quando os antibióticos estavam para ser inventados e, sobretudo, tratava as pessoas com venerável respeito, pelo que era alvo de gratidão.
É natural, nesta altura, reconhecer que os filhos são reflexos dos pais. Os filhos, mesmo antes de terem entrado no âmbito da linguagem, percebem pela intuição e absorvem para si o modelo de conduta de amor a si mesmo e ao próximo. Pais amorosos e dedicados criam filhos felizes com esses padrões de comportamento.
Hoje, mais uma vez, encontrei com o Homem do Cajado. Perguntou como me sentia e, como me queixei de um aborrecimento, imediatamente doou-me palavras que me fortaleceram. Essa é a arte de transformar um limão em limonada e é assim que agem as pessoas que contam com uma estrutura de pensamento saudável e flexível.
Ele, em sua jornada, conversa com o cajado, com as plantas, com os pássaros, com o céu, com as nuvens e, cumprimenta, sempre com um sorriso, as pessoas que encontra no caminho. Parece existir uma cumplicidade entre ele, o cajado e o mundo.
Há uma figura exuberante de Cristo com um cajado na mão. Ele está sentado acarinhando um carneiro, enquanto outros pastam à distância. A imagem inspira um profundo sentimento de paz.
O cajado é usado deste os tempos mais remotos pelos pastores, mesmo antes do nascimento de Cristo. O cajado, é o que se diz, servia tanto para controlar as ovelhas quanto protegê-las. Esse sentido duplo dessa vara reflete a própria dimensão da vida, que tem momentos favoráveis e outros, desfavoráveis.
Mas é preciso falar do cajado sagrado tido como um detentor de um poder mágico extraordinário. Em suas longas e cansativas viagens pelo mundo, é comum o Santo Padre, o papa, se apoiar no seu cajado para brevíssimos descansos e bocejos.
O cajado sagrado é tido como “a síntese e o símbolo da árvore da vida com todos os seus poderes e mistérios divinos”.
Normalmente, os cajados sagrados são construídos com madeiras retiradas depois de mortas da natureza. Seu construtor deve pedir permissão aos Espíritos da Floresta para que permitam sua utilização. Toda a energia contida nas raízes, tronco, folhas, frutos, flores e sementes são transferidas para o Cajado.
Um cajado sagrado ajuda seu condutor a estabilizar emoções e a obter proteção espiritual, tanto para si quanto para outras pessoas que com ele convivem.
Esta semana quando descia a estrada num fim de tarde vi um pôr do sol tão encantador, banhando de luz de ouro as copas das árvores, que agradeci ao Criador e às árvores que possuem muitos cajados invisíveis. Tive a sutil impressão de que tudo o que existe é sagrado. (C.R.)
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