A VOLTA DO VELHO DO CAJADO SAGRADO, DEPOIS DA PANDEMIA

Aproveitei essa mudança de tempo – do sol quente, para o friozinho -, afinal, estamos no inverno, para subir na parte mais alta do quintal, olhar em todas as direções, pedir mentalmente o Velho do Cajado Sagrado aparecer e me ajudar a sair de uma armadilha emocional. Fazia meses que não nos encontrávamos, desde o início da pandemia.

E não é que ele apareceu, indo logo a me dizer:

— A fé tem um poder extraordinário. Aqui estou meu Amigo!

Nossa! Quase cai de contentamento:

— Velho estava com saudade de você. Fazia muito tempo que nos comunicávamos…até pensei que tinha me abandonado!

— Qual o quê, isso jamais! Nós gostamos um do outro.

— É verdade, meu Velho Amigo.

— Sabe porque te chamei hoje?

— Prefiro que me fale…vá em frente!

— Pois bem estou me sentindo muito isolado. Por causa da pandemia, faz muitos meses que fico em casa. Somente saiu para as compras no mercado, na farmácia, levar o carro na oficina e olhe lá!

— Entendo, Carlos, entendo!

— Mas não é apenas isso meu Velho! Tenho reparado que as pessoas estão cada vez mais estranhas, parecem mais medrosas como nunca, inseguras, cautelosas em demasia, em suas relações com o mundo. Talvez isso seja fruto de não estarem sabendo quem são, o que querem da vida. Parece que estão fora de si, como se estivessem sendo levados por uma poderosa correnteza, ao sabor do fluxo.

— Olha isso que está te parecendo pode não corresponder com a realidade, porque as pessoas são singulares, diferentes umas das outras, cada uma tem seu próprio modo de lidar com as circunstâncias e esse modo varia o tempo todo. Uma pessoa não é ela mesma apenas de um modo durante todo o dia, aliás isso é tão variável que é até difícil saber se a pessoa com a qual iniciamos uma relação é a mesma, subjetivamente, depois de poucos minutos de conversa.

— Que observação interessante, Velho! Não tinha pensado nisso!

— Carlos eu te acompanho o tempo todo, sei o que você está vivenciando, a forma como vê as pessoas, a si mesmo e, sobretudo, sua forte busca de revolucionar suas relações humanas, pesando, de modo sensato as maneiras como deseja se reinaugurar, sobretudo se adaptando à realidade dos comportamentos de cada pessoa. Já reparou como as pessoas podem distorcer suas palavras em defesa das crenças que elas têm em relação a todos os acontecimentos?

— Sim, Velho, você está certo! Essa foi uma semana dura, provocativa, decepcionante, mas também criativa, me possibilitou rever todos os meus modos de lidar com as pessoas. Por isso, mesmo que elas tenham me ferido ou tentado ferir se tornaram mestres para mim.

— Sabe conversei com uma pessoa no finalzinho da noite e soube de problemas existenciais profundos de duas personalidades cujas histórias de vida foram marcadas por sérias questões existenciais. Um denominador foram as cicatrizes decorrentes de fatos negativos ocorridos na infância das interações entre pais e filhos. Pessoas maltratadas carregam pesados fardos vida afora e não poucas precisam de algum tipo de terapia.

O Velho escuta atentamente, para não interferir na minha expressividade e deixa que eu mesmo descubra o que rola dentro de mim. Para quem o conhece de longa data sabe que o silêncio é um poder de valor inestimável, para quem precisa se expressar.

Não é que a maravilhosa postura do Velho me causou um imenso bem-estar. A certa altura chorei, meu querido Amigo, sábio e experiente no trato das questões humanas, simplesmente me abraçou e me acolheu em seu coração.

Quando ele se foi, senti que aqueles breves momentos tinham sido uma benção, aquilo que estava buscando depois de dias de intensas emoções. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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