IBIÚNA – ATENÇÃO ESTA CRÔNICA NÃO CONTÉM CENAS DE CRIMES

Já deixei de me preocupar se alguém vai ou não ler os meus escritos. Mas é certo que muitos me acompanham. Estes, aos quais sou grato, mantêm firme meu propósito de seguir adiante. Afinal, as pessoas estão cada vez mais rasas e superficiais e, com raras exceções, tudo o que possa levá-las a um aprofundamento e exigir que reflitam é deixado de lado e esquecido, antes mesmo de haver uma mínima e necessária compreensão. Nos tornamos juízes de uma espécie informal de tribunal de exceção, ainda que não pronunciemos nossos vereditos, porque imaginamos que levaremos o troco pelos nossos julgamentos.

Parece que as pessoas estão totalmente ocupadas e atraídas pelas aparências imediatas, que se restringem a apenas algumas imagens ou títulos dramáticos, fora disso nada merece maior atenção. Viva a mediocridade!

Hoje, por força da necessidade de lidar com coisas objetivas, perambulei pelas ruas da cidade. Fui à Caixa Econômica Federal. Ali estava uma fila dupla, a maior das quais formada por pessoas que aguardavam para receber as migalhas oferecidas pelo Governo Federal na forma de auxílio emergencial. Melhor do que nada, é o que se ouve.

Pessoas humildes, sofridas por toda a forma de carência; várias com crianças de colo. Cheguei a pensar que provocar sofrimento do povo faz parte da estratégia dos governantes. Despojados de qualquer tipo de poder, resta aos indivíduos se submeterem à condição às vezes de extrema humildade, simplesmente porque não tem como ser de outra forma. Sob sol, frio ou chuva têm de permanecer obedientemente em fila, até chegar sua vez. Mas, como vi, ocorrem frustrações, quando a pessoa fica sabendo que não tem direito ao auxílio. E o drama social prossegue ad aeternum.

Na praça da Matriz um homem com microfone na mão parece falar para uma multidão. Está promovendo corte de cabelo gratuito, assim como exame de diabetes. Há meia dúzia de espectadores, além de um homem solitário que fica dançando por horas sem sair do lugar.

Subo a rua XV pela estreita calçada da qual tenho que me distanciar várias vezes porque há quem está obstruindo o caminho ou alguém que segue a passos lentos e incertos.

Algumas lojas infernizam meus ouvidos. Elas colocam caixa de som na entrada com músicas e som alto, irritante. É uma forma de chamar a atenção dos transeuntes, como se isso fosse capaz de melhorar as vendas. Talvez até isso aconteça. Quem sabe.

Agora vou atravessar a rua na faixa de pedestre que dá na praça que fica em frente à Prefeitura. Piso na faixa, nenhum carro ou moto para, como determina a lei de trânsito, para que eu atravesse. Espero pacientemente até se esgotar o fluxo de veículos e, finalmente, realizo a travessia.

Já perto do Supermercado São Roque, ainda na calçada, dois homens, saídos de uma velha Kombi a serviço da Vivo estendem fios telefônicos. Deixam aberto um buraco profundo cuja tampa retiraram. Há dois cones apenas para alertar os passantes. Entendo que há risco para pessoas desprevenidas, ou com alguma deficiência ou idosos, de cair ali. Chamo-lhes a atenção, eles respondem: “O lugar está conificado”, mas não me convencem. O lugar deveria estar completamente cercado para oferecer segurança como deve ser feito. Se alguém caísse ali, ainda bem que não aconteceu, além do dano físico e mental da vítima, haveria mais trabalho para o resgate, para o hospital, além do sofrimento que o acidente acarretaria. Mas estamos longe da consciência de qualificar nossas ações com responsabilidade pública.

Desço agora pela calçada da rua Capitão de Oliveira Carvalho, onde se localiza o Paço Municipal. A certa altura uma caminhonete cobre quase toda a área da calçada, em frente um caminhão estacionado, quase não dá para passar. Tremenda falta de sensibilidade e respeito aos pedestres. Um cadeirante não conseguiria passar ali. Mas fica por isso mesmo. Todos esses fatos acabam fazendo parte da paisagem habitual e, se me permitem dizer, e os outros? Os outros, ora bolas, que se virem! Isso não é particularidade de nossa cidade, mas de todo o país cuja cultura atingiu um pauperismo ético e moral que vai levar décadas ou séculos para ser superado.

E é bom lembrar: todos estamos no mesmo barco que afunda a cada dia e tudo parece normal, mas essa palavra seria a última a representar o silencioso escândalo que nos envolve e nos faz trocar a verdade pela mentira, porque a verdade é dolorida demais para ser encarada. Melhor continuar fingindo como se tudo estivesse bem, até o momento em que somos atingidos pela falta de ética que nos caracteriza como cultura fragilizada pelo circo da estupidez que nos fornece espetáculos diários.

Propositalmente, deixei aqui de mencionar os fatos do submundo do crime que, igualmente, se fazem presentes em nosso cotidiano. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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