CRÔNICAS DE IBIÚNA – COISAS E DORES DESCONHECIDAS
Uma das características de uma cidade, seja no centro urbano ou nos aglomerados rurais, é o seu despertar todas as manhãs e a movimentação das pessoas para a lida diária, feita a travessia da noite muitas vezes dolorosa porque sentimos algum mal-estar.
De cara, é preciso dizer que se nós não nos conhecemos de verdade e isso é um fato comprovável, pois somos estranhos para nós mesmos e nem sequer temos controle sobre nossos pensamentos, que simplesmente surgem dentro de nossa mente.
A travessia da noite, e até nossos sonhos isso refletem, pode ser amarga como losna por uma infinidade de causas: perda do emprego, falta de dinheiro, conflitos emocionais e amorosos, dificuldades em relacionamentos, medos imaginários e por ameaças reais, doenças do corpo e da mente, sensação de falta de sentido da existência e um rosário de outras fontes que geram problemas emocionais às vezes graves.
Mas, é preciso levantar-se e sair para a rua para o trabalho, estudo ou cuidados médicos, fazer compras, ir ao banco e enfrentar filas, cuidar do corpo e da beleza, cada qual com suas motivações.
Como somos seres singulares, isto é, cada pessoa é única em suas peculiaridades e formas de ver e lidar com as coisas, e, neste caso, inclui nosso modo de pensar, perceber e se relacionar com o mundo e, ao mesmo tempo, se sentir apenas uma coisa no meio de tantas outras, nessa roda viva podemos nos perder em algum momento. Em casos extremos, a perda de nós mesmos pode ter sérias consequências.
Estamos tão sujeitos aos acontecimentos que não controlamos e, aí, se incluem até os fatos do dia a dia, como constantes aumentos dos combustíveis e dos alimentos, as contas para pagar, os remédios que alimentam gigantes da indústria farmacêuticas que, aparentemente, não objetivam a cura mas a manutenção das enfermidades. Repare quantas farmácias existem em nossa cidade.
O caos, então, se estabelece, vem o desespero e a fuga para as drogas, bebidas, porque parece que estamos fora do fluxo vital. A sociedade são os outros e eles nem se lembram que existimos, por isso um imenso mal-estar, uma ânsia pela busca da paz que parece se distanciar de nós a cada passo.
Então, o dia amanhece de novo e podemos ser menos um.
As coisas e dores foram maiores, insuportáveis mesmo. E foi nesse processo que, em algum momento, algo aconteceu. O que aconteceu? Como podemos saber se embora próximos fisicamente, possamos viver tão longe uns dos outros? Temos uma vida material e também uma vida subjetiva, nossa vida interior.
Então, o fato vem à luz, entristece, toma forma do vazio que nos envolve. Vazio que assusta como o medo que têm as crianças de sombras e do escuro.
Então, mais uma vez, nós descobrimos o quanto nos transformamos em autômatos e repetidores dos mesmos comportamentos, obcecados para garantir nossa sobrevivência física, mental e espiritual, no que acabamos nos enganando, sem perceber.
Assim, como a jovem que me diz que não pode atender ao celular porque está no horário do expediente, podemos um dia despertar e perceber o quanto somos reféns de muitas prisões que nos tolhem, limitam, e nos impedem de sermos livres e crescermos e realizarmos nosso projeto de vida, pois que ele sempre existe, ainda que possa ser ignorado.
Por tudo isso, somos defensores ardorosos da expressividade, da coragem de comunicar(-se) melhor a gente mesmo e com os outros. As relações expressivas, de amor, afeto, respeito, escuta, entre as pessoas são fundamentais. (Carlos Rossini é editor de vitrine online e pós-graduado em Filosofia Clínica)
