SOBRE UMA AMIGA E OUTRAS VIDAS

Uma amiga, jornalista como eu, parece que ficou nos confins da história. Não nos vemos e não nos falamos há tempos que parecem séculos. Talvez nunca nos veremos porque assim é a existência tecida por encontros e desencontros. E se por acaso nos encontrarmos é possível que nem mesmo nos reconheçamos porque já não seremos aqueles que fomos um dia.

Ainda hoje com desvio obrigatório por um lugar até então remoto para mim por conta de uma obra de duplicação de uma rodovia vi construções evocativas do passado histórico do que talvez seja apenas um distrito de uma grande cidade do interior.

Sobrados antigos com janelões enfileirados, uma capela com nome inédito para minha memória, indicado por uma seta de bom tamanho, também aparentando antiguidade, me fizeram perceber, mais uma vez, que os personagens, todos, ou se mudam para outras paragens ou morrem, como acontece no fim de todas as histórias, dentro e fora da ficção.

Diante do espelho, pergunto-me onde ficou aquele rosto de criança, sob o esmeril do tempo. Por que os meus cabelos se foram obrigando-me a usar boné para proteger minha calva do sol, do vento e da friagem no inverno?

Vi, parar no estacionamento de uma padaria, um casal saindo de um carro caríssimo e luxuoso. Para compradores milionários, fique claro. Mas seus ocupantes eram como pessoas comuns, desprovidas. O homem tinha poucos cabelos levemente disfarçados com uma colorante tonalidade pouco convincente e a mulher também mostrava sinais provocados pelo tempo com seus requisitos impiedosos.

Não muito distante dali, lembrei-me da existência de uma fazenda imperial com seu destino certo virado museu com altas palmeiras enfileiradas. Nenhum dos ocupantes dos seus tempos áureos residiam mais ali. Talvez uma placa de bronze em um lugar nobre os homenageie como as estátuas fazem com personagens famosos de cada tempo.

O tempo é mesmo senhor do nosso destino. Reis, rainhas, príncipes, princesas, presidentes, ditadores, compositores, filósofos, escritores, poetas e todos nós mortais comuns somos igualados pelos planos misteriosos da biologia que sela todos com o prêmio da morte para alguns que acreditam em outras vidas ou que são ateus confessos.

Então, enquanto esperava sentado ser chamado, eis que entra um casal de idosos. A velhinha amparando-se em uma bengala com pés quádruplos dava passos frágeis e parava para reposicionar a máscara de pano sobre o nariz, enquanto seu companheiro, ambos de cabelos nevados, a segurava por um dos braços para orientá-la na direção a seguir.

Quando chegou mais perto pude ver que talvez fosse cega de um dos olhos que parecia vazado. O marido cuidadosamente a amparou até que ela conseguisse sentar-se numa cadeira de plástico onde aguardaria sua vez de ser chamada. Talvez tivesse problemas de audição, imaginei, com grande margem de acerto.

Pessoas, coisas, árvores, montanhas, civilizações, rios, animais coabitam esse mundo que, ao longo de cinquenta mil anos, já terá somado mais de duzentos bilhões de vidas humanas que cumpriram um ciclo que está no comando de nossas vidas, em obediência a uma lei que parece reger todo o universo. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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