QUEM TEM MEDO DA IA?

A filosofia nos ensinou, ou, pelo menos, tentou nos ensinar a pensar ou refletir sobre todos os fenômenos observáveis fora e dentro de nós.

O cérebro humano, com sua incrível plasticidade, potência e resiliência para enfrentar e superar os desafios nos trouxe até agora, com a criação do mundo ‘civilizado’, tal como ele se encontra em fluxo constante.

Os mitos e as fábulas foram substituídos pela razão e seu corolário, a ciência. Fora de tudo o que existe na natureza, todo o mais foi obra da mente humana, sobretudo o que chamamos de arte.

O resultado do que se convencionou chamar de vontade do homem de dominar a natureza a seu favor é o que sabemos dos acontecimentos, muitos deles assustadores, que repõe o tema original, talvez motivador da magnífica obra humana sobre a face da terra: o medo da finitude, entre outros.

O gênio criativo da humanidade não descansa, para o bem ou para o mal. A vida está migrando cada vez mais célere para o universo extravagante do chip, cada vez mais sofisticado para conter toda a vida nanografada.

Duas letrinhas I e A juntas – ou Inteligência Artificial, em sentido extenso – passaram a simbolizar a talvez mais extraordinária aventura criativa do cérebro humano, ou IN – Inteligência Natural.

Ao acreditar na iluminação das suas próprias mentes e apostar todas as fichas na razão e na ciência, deixando para trás a chamada fé, em suas variadas apresentações, o Homem criou um cérebro artificial capaz de prodígios supra-humanos, ou cérebro chip, para cuja fabricação se tornou capaz de produzir uma luz que não existe na natureza e uma precisão absurda tecnologicamente.

O advento e a expansão da IA é irreversível e se espalha com uma velocidade espantosa gerando uma impressão de que o homem tencionaria se tornar o próprio deus.

Assim, a IA tanto pode ser um instrumento da inteligência a favor da humanidade, biofílica, quanto servir para obras necrofílicas, tanto para servir para humanizar a vida quanto para sua degradação.

Pelo andamento da carruagem [mas que frase mais obsoleta!], a IA já faz parte de nossas ações e comportamentos diários. Qualquer um poderá escrever um discurso [se souber manejar a técnica], “se” tornar um poeta, ter sua imagem rejuvenescida e um rosto encantador, criar personagens impecáveis [deep fake] similar em tudo a um ‘ser” real, incluindo gestos e voz fidedigna convincentes.

Ninguém vai segurar a IA, capaz de ressuscitar um ente querido e fazer ele retornar à vida familiar e participar até mesmo de reuniões e encontros festivos. Afinal, para mente, como se diz, não há diferença entre uma maçã, fruta real, e uma maçã imaginada.

Há notícias dando conta de que milhares de pessoas já fazem terapia consultando a IA. O ‘paciente’ descreve o seu sentimento, preocupação, formula suas dúvidas e recebe as respostas, a ponto de se emocionar, como declarou um usuário desse serviço.

Assim, nota-se um deslocamento da relação entre indivíduos de carne, osso e sentimentos para uma relação de uma pessoa com uma máquina pensante e programada para dar resposta a tudo que lhe é perguntado.

Num podcast recente, o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, reconhecido no mundo como um destacado cientista brasileiro, disse, colocando em xeque a questão do IA, que o cérebro humano natural é analógico e que a inteligência artificial jamais vai substituir a mente humana.

Ele repele a ideia de que nós, seres humanos, estamos ficando obsoletos. Essa observação nos alerta para não nos deixarmos iludir com essa novidade que é a IA, como um super-homem. Na realidade, trata-se de um evidente episódio tecnológico na história da humanidade, como aconteceu com a invenção do tear a vapor, de sistemas mecânicos e, mais tarde, de computadores.

Segundo Nicolelis, a tecnologia se tornou o centro do universo como forma de poder reverencial, mas o que deve ser considerado essencialmente é resolver problemas humanos e não das máquinas, criadas para servir a humanidade e não para substituir o homem.

Portanto, aplicar a IA em benefício da vida humana e do planeta é o lado positivo dessa tecnologia. Seu mau uso seria exatamente jogar na lata de lixo uma considerável contribuição da tecnologia digital. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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