O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Estamos sendo enganados, na maior parte do tempo. E isso não é o pior lado de uma constatação que deveria ser óbvia. O fato é que precisamos da mentira para viver, ou sobreviver, numa realidade em que somos frágeis em algum momento.  A verdade é simplesmente assustadora. Não há quem não a tema, ou queira se livrar de seus tentáculos!

Aqueles que percebem antecipadamente o fim de todas as histórias, incluindo as da Carochinha, sabem do que se trata, embora jamais tenham verbalizado o que é sentir o que sentimos ou pensamos involuntariamente, passando ou não por um procedimento terapêutico seja ele qual for.

Sim. É isso! Consumimos a mentira como se tivéssemos saboreando uma pizza margherita ou deglutindo um suculento hambúrguer.

Refiro-me à vida real, sem aplicação de cosméticos ou de preenchimentos, à dura realidade por trás das aparências.

São as leis implícitas da convivência humana e seus conflitos de interesses inconfensáveis e que soam como se vivêssemos num subsolo úmido e bolorento e não à luz do Sol num dia imantado pelo encantamento dos nossos olhares para o céu e para as coisas da terra.

Refiro-me à existência necessariamente gregária dos seres humanos, como um cardume de peixes que nadam construindo movimentos de bailarinos ondulantes sob as águas oceânicas.

Refiro-me à vida em sociedade marcada a ferro e fogo pelas inflexíveis leis do economismo e suas ideologias indiferentes aos sentimentos e às dores dos desvalidos, ambulantes e marginalizados.

Refiro-me às ideologias que nos subjugam e nos remetem diretamente ao desconhecido e à estranheza que não se revelam, pois se ocultam nos labirintos das nossas mentes-cérebros, como um Teseu à procura do Minotauro, símbolo dos nossos medos, nas trilhas deixadas pela mitologia perdida na memória da antiguidade.

Refiro-me aos regramentos injustos que nos tornam extremamente desiguais, o que deveria, por sonhos e desejos ocultos, ser tratados como iguais, mesmo sendo figuras singulares em suas paixões, muitas vezes sufocadas por mecanismos opressores que penetram em nossas almas antes imaculadas.

Refiro-me a todas as ignorâncias de que somos portadores e que nos tornam simples marionetes movidas por invisíveis mãos e fios que vêm de algum lugar que não enxergamos, mesmo estando de olhos abertos, como se fôssemos cegos por não enxergar o que vemos.

Refiro-me a todos os sorrisos, a todas as lágrimas, a todas as saudades, a todas as alegrias, a todos os amores encontrados ou perdidos, a todos os momentos em que nos sentimos sós e desolados.

Refiro-me também à vontade de compreender o que é isso tudo a que damos o nome e modo de viver dos seres humanos em suas infinitas peculiaridades.

Nestes tempos de novidades aceleradas nos vemos diante de nós mesmos e do reconhecimento facial que passamos a fazer para provar que cada um de nós é si mesmo. Esses espelhos digitais refletem apenas nossa superfície, não o que somos na realidade em nossas profundezas.

Refiro-me a este momento crucial da história da humanidade em que o estranhamento, a mesma perspectiva que deu origem à filosofia ocidental, talvez seja, mais uma vez, a porta de entrada para o admirável e desconhecido mundo novo, o maior desafio dos tempos vividos e sonhados até este início do Terceiro Milênio.(C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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