UMA QUESTÃO DE TRANSPARÊNCIA

Há um roteiro lógico na arte da retórica. Propõe a seguinte ordem: primeiro vem o pensamento, em seguida, a palavra, e, finalmente, a ação, a ideia revelada.

Quem se vê diante da revelação pode ter três reações: saber, sentir e agir. Essa tríade constitui a essência do comportamento humano habitual.

Na dupla audiência pública que apreciou os planos de investimentos da Prefeitura de Ibiúna plurianual e de 2026, realizada na terça-feira (14), na Câmara Municipal de Ibiúna, o atual prefeito fez uso de dois aforismos indicadores de sua visão sobre a arte de governar.

Ambas as frases se interconectam politicamente apontando a necessidade de manter-se um cuidado redobrado no trato da coisa pública.

SANTO AGOSTINHO

“Prefiro surpreender a decepcionar”, proclamou em determinado momento de sua explanação por que definiu o orçamento para 2026 de subestimado [saiba mais na notícia IBIÚNA – PREFEITURA ANUNCIA ORÇAMENTO “SUBSTIMADO” PARA 2026, na vitrine online].

A outra tomou de empréstimo a Santo Agostinho (354dC-430dC):

“Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem.”

INTERPRETAÇÃO BENEVOLENTE

A primeira expressão diz respeito a um desejo subentendido de que pretende fazer um bom governo, surpreendente. A segunda, evoca de alguma forma, um compromisso com a verdade, como combustível para uma conduta correta contra ilusões e armadilhas.

TRANSPARÊNCIA

Transparência significa ‘tornar visível”. Foi exatamente esse tema de que fez uso o editor de vitrine online, diretor da TVUNA e presidente do Clube dos Amigos de Ibiúna, fundado em abril de 2025, jornalista Carlos Rossini, que havia se inscrito para se pronunciar durante a audiência mencionada acima.

Referindo-se a instituições governamentais ou organizacionais, disse existirem dois tipos de transparência. A ativa, que compreende a divulgação espontânea de dados e informações à população; e a passiva, que ocorre quando o poder público atende a um pedido de informações feito por alguém [que pode ser um simples cidadão ou vereadores], seja pessoa física ou jurídica.

No caso de vereadores, os requerimentos de informações podem pôr uma pulga atrás da orelha  do Executivo, se ele não responder dentro do prazo regimental.

Alertou que o problema de falta de transparência pública no município é recorrente na história de sucessivos governantes. Portanto, não se trata de caso pontual da atual administração. Por motivos estratégicos, cautela ou mesmo temor, muitas informações de interesse público ficam represadas ou mesmo ocultas nos escaninhos administrativos. Numa palavra, não se torna visível aos olhos dos cidadãos.

NO CONTEXTO DA AUDIÊNCIA

A breve fala do jornalista, ainda que não tivesse feito menção a valores e programas, ocorreu no cenário dos objetivos da audiência pública, por si só, um instrumento impositivo por lei federal, exatamente para transparecer os programas, planejamento, previsão de investimentos do Poder Executivo.

Portanto, a transparência seja ela ativa ou passiva deve reger o comportamento tanto dos vereadores quanto dos integrantes do Poder Executivo, a fim de que as previsões se efetivem e desvios ou distorções sejam corrigidos. Trata-se, não custa recordar, do uso do dinheiro dos bolsos da população, angariado por meio dos impostos.

A ideia era torná-la especialmente pública, como uma questão a ser enfatizada como essencial e prioritária nas idas e vindas das relações entre os agentes dos Poderes Legislativo e Executivo.

OPACIDADE APONTADA

Pois foi exatamente a questão da transparência que motivou os então eleitos a prefeito e vice-prefeito, lembram-se?, a fazerem denúncias dramáticas perante a opinião pública e o Poder Judiciário: retardamento no processo da indispensável transição, dívidas camufladas, contas bancárias zeradas, “prefeitura falida”, etc.

Era dever do governo em fim de linha ter uma atitude transparente, a fim de que os novos gestores pudessem tomar pé da herança recebida e organizarem-se para cumprir suas responsabilidades.

PARTICIPAÇÃO ATIVA

Pois foi exatamente com o propósito de chamar a atenção para esse fator decisivo para o sucesso do orçamento aplicado que o jornalista declarou que tanto o governo anterior quanto o atual estão inclusos na rubrica de reféns de equívocos provocados por uma visão míope no que seja comunicação em um contexto político-administrativo-social.

O ponto positivo é que o novo governo pode corrigir o rumo da espaçonave cujo comando assumiu há dez meses. Está ainda protegido pelo admitido noviciado. Muitas pessoas manifestam exatamente o sentimento de que ainda é cedo para fazer exigências inoportunas, embora se observem muitos descontentamentos.

PREFEITO NÃO GOSTOU

O prefeito não gostou, mostrando-se contrariado. Citou que a imprensa local não compareceu a nenhuma das audiências preparatórias do PPA [Plano Plurianual] realizadas nos bairros. Talvez devesse refletir um pouco sobre os prováveis motivos para sua observação, um dos quais o desaparecimento dos próprios veículos, substituídos pelas páginas das redes sociais, intensamente frequentadas pelas postagens do Executivo.

Mas, felizmente, ainda existe entre nós quem, de forma até ousada, humilde e persistente, pratica um jornalismo fiel às suas próprias origens. A ressalva é que talvez sejam malvistos e indisciplinados por preferirem publicar informações de interesse público, mas não peças de natureza publicitária ou promocional, a serviço do oportunista marketing político.

Referindo-se diretamente à vitrine online declarou que esta não  publicou a notícia do acordo que beneficiou os professores da rede municipal. Ou se equivocou ou não apreciou a forma como a notícia foi escrita. Mas é só abrir a página e encontrar sob o título IBIÚNA – ACORDO ASSEGURA EQUIPARAÇÃO DO PISO NACIONAL AOS PROFESSORES MUNICIPAIS

O cidadão bem-informado pode se tornar um aliado do governante, desde que ele perceba que pode confiar no que vê e ouve. Antes de falar, é preciso exercitar a escuta sincera. O povo tem um senso de proporção, da verdade e é o principal termômetro para se conhecer quando um governo vai bem o mal.

Quem está habituado a ouvir pessoas para compreendê-las e não para responder, às vezes interrompendo a fala do outro, acaba percebendo alguns segredos fundamentais do comportamento humano, seja no plano dos indivíduos e da coletividade.

Em suma: transparência é dever dos administradores perante a sociedade que os mantém.

Quando a finalidade principal dos vereadores – fiscalizar as ações do Poder Executivo – coincidir com os propósitos e disposições do Executivo, aí poderemos ter, enfim, o exercício da política em seu sentido de organizar a vida social pelo bem comum.

Sabemos que essa perspectiva, comparada com a dura realidade, pode soar como utopia, mas não será uma loucura viver eternamente de esperança?

Por último, mas não menos importante, acredite, prefeito Mário Pires, nós continuamos torcendo para que seu governo dê certo. Estávamos de saco cheio da mesmice retrógrada. (Carlos Rossini)

*Na foto, da esquerda para a direita: prefeito Mário Pires; Carlinhos Marques, presidente da Comissão de Orçamento e Finanças; e Paulinho Dias, presidente da Câmara Municipal – durante a audiência pública dos orçamentos plurianual [2026-2029] e para 2026.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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